

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 22 - 38, Janeiro/Abril 2018
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Em que pese a já existente previsão das convenções processuais no
Código de 1973
34
, o novo Estatuto Processual Civil introduziu um novo
método de desenvolvimento do
iter
processual, por intermédio da cláusula
geral de negociação sobre o processo
35
, que dispõe sobre a faculdade de as
partes, versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição,
convencionarem adaptações procedimentais de acordo com seus interesses
36
.
Como se vê cada vez mais em nosso sistema, embora a jurisdição
seja titularizada pelo Estado, o interesse das partes revela-se a causa final do
processo
37
, razão pela qual, na insuficiência da Lei para acompanhar a cres-
cente complexidade das relações sociais adequadamente e garantir o acesso à
Justiça, impôs ao legislador o dever de oportunizar às partes maneiras de se
adaptar o procedimento à tutela pretendida
38
.
34 “Os negócios jurídicos de caráter processual, a despeito de incomuns, não são exatamente novidade no direito processual civil
brasileiro: as hipóteses de suspensão convencional do processo (CPC/73, art. 265, II, repetido no art. 313, II, do NCPC) e de
convenção acerca da distribuição do ônus da prova (respeitando os limites impostos pelo art. 333, parágrafo único, do CPC/73, e
pelo art. 373, §§ 3º e 4º, do NCPC) perfazem exemplos de negócios jurídicos de caráter processual”. (WAMBIER, Teresa Arruda
Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. MELLO, Rogério Licastro Torres de.
Primeiros
comentários ao Novo Código de Processo Civil – Artigo por Artigo
. 1ª. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 352).
35 “O art. 190,
caput
, do Novo CPC, prevê em seu
caput
a possibilidade de as partes, desde que plenamente capazes e em
causa que verse sobre direito que admitam a autocomposição, estipularem mudanças no procedimento para ajustá-lo às
especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais. O novo diploma
legal, seguindo tendências do direito inglês (
case management
) e francês (
contrat de procédure
), cria uma cláusula geral de ne-
gociação processual, que pode ter como objeto as situações processuais das partes e o procedimento. Diferentemente do
diploma legal revogado, o Novo Código de Processo Civil passou a prever de forma expressa uma verdadeira cláusula
geral de negócio jurídico processual típico, que continuam entre nós, a celebração de acordo entre as partes de forma geral,
envolvendo tanto o procedimento como as suas situações processuais”. (NEVES, Daniel Amorim Assumpção.
Manual de
Direito Processual Civil
. 8ª. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 319).
36 “Em se tratando de direito a respeito do qual se permite a autocomposição, é possível às partes a celebração de negócio
jurídico processual que lhes aprouver respeitados os limites da constitucionalidade, e ordem pública da disposição de vontade.
São admissíveis, entre outros, negócios jurídicos processuais que: a) estabeleçam a cronologia do procedimento (tal como
ocorre já no processo arbitral) (CPC 191); b) estabeleçam a cláusula
sem recurso
, desde que bilateral, isto é, que somente haverá
decisão de mérito no primeiro grau de jurisdição; c) estipulem renúncia ao direito de interpor recurso; d) dispensem determi-
nada prova (
e.g.
pericial); e) convencionem sobre a distribuição do ônus da prova; f) eleger o foro em que deve ser processada
e julgada a ação; g) estabelecer cláusula compromissória para submeter a lide à arbitragem; h) estipular a incidência, no pro-
cesso, da cláusula
solve et repete
(Carnelutti,
Sistema DPC
, v. II, n. 420, p. 78); i) renúncia ao direito de recorrer (Bunsen.
Lehrbuch
CPR
,
Einleitung
, n. I, III, p. 8); j) determinem qual o direito aplicável à hipótese (na convenção de arbitragem é possível:
escolher a lei aplicável, escolher, “
livremente
, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem” [LArb, 2º, §2º], escolher-se
o idioma no qual se desenvolverá o processo, conferir-se ao tribunal arbitral a possibilidade de decidir por equidade etc.);
k) autorizem o juiz estatal a decidir por equidade, mesmo fora dos casos previstos em lei”. (NERY Junior, Nelson. NERY,
Rosa Maria de Andrade.
Código de Processo Civil comentado
. 16ª. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, pp. 762-763).
37 “Satta tinha razão na preleção de 1936: o interesse das partes é causa eficiente da jurisdição civil e também a sua causa
final. A justiça civil existe para atender à necessidade de tutela dos seus direitos destinatários. É claro que, ao avocar para
si essa função em caráter praticamente monopolístico, o Estado realiza seus próprios objetivos políticos, talvez até mesmo
o de realizar a paz social, mas principalmente o de assegurar a submissão dos cidadãos à sua ordem e à sua autoridade”.
(GRECO, Leonardo.
Op. cit
., 2008, pp. 42-43).
38 “Se, respeitados certos princípios inderrogáveis, na arbitragem as partes podem ditar o procedimento a ser seguido
pelos árbitros, por que não permitir que, perante os juízes profissionais, as partes possam dispor sobre o modo que
consideram mais adequado de direção do seu processo, os prazos a serem observados, a escolha de comum acordo do
perito a atuar na instrução ou em que a margem de flexibilidade está entregue ao poder discricionário do juiz?”. (GRECO,
Leonardo. Novas perspectivas da efetividade e do garantismo processual.
In
: MITIDIERO, Daniel; AMARAL, Guilherme
Rizzo (Coords.); FEIJÓ, Maria Angélica Echer Ferreira (Org.).
Processo Civil. Estudos em homenagem ao professor doutor Carlos
Alberto Alvaro de Oliveira
. Rio de Janeiro: Atlas, 2005, p. 301-302).