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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 224 - 239, Janeiro/Abril. 2018

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Feitos estes esclarecimentos, é irrecusável a conclusão de que o direito

do contribuinte de ver compensado o indébito tributário, como admite a

Súmula 461 do STJ, pode ser exercido a partir da concessão de mandado de

segurança que venha a reconhecer o indébito tributário.

E a Súmula 271 do STF? Em rigor, a Súmula sequer sobreviveu à Lei

n. 5.021/1996, em que pese caudalosa jurisprudência e doutrina em sentido

contrário. E mesmo que se quisesse querer sustentar aquele entendimento, é

mais que certo entender que ela foi

absorvida

pela previsão legal constante

do art. 14, § 4ª, da Lei n. 12.016/2009, que não impede efeitos pretéritos em

mandados de segurança tributários.

Ademais, o necessário confronto das Súmulas dos Tribunais Superio-

res com o direito legislado — inclusive das Súmulas do STF nos anos 1960,

como a de número 271 — é providência inadiável diante do que o n. 2,

supra

,

anunciou sobre o CPC de 2015 e o “direito jurisprudencial” nele disciplina-

do. Como admitir, pura e simplesmente, a aplicação daquelas orientações ju-

risprudenciais sem verificar, previamente, se elas efetivamente sobreviveram

ao sem número de alterações normativas, inclusive constitucionais e legais,

que se somaram desde suas edições? Afinal, elas se compatibilizam com o

ordenamento jurídico atual? Como querer continuar a aplicar Súmulas se

não compreendemos, antes de seus enunciados, seus

precedentes

? Por fim,

mas não menos importante: como aplicar súmulas na dependência, única e

exclusiva, mas tão comum entre nós, da

interpretação

de seu enunciado?

15

Quando o tema é mandado de segurança, arremato, dúvida alguma

pode haver de quais são as opções a serem seguidas pelo intérprete em plena

harmonia com o seu “modelo constitucional”. O possível confronto da Sú-

15 Esta crítica vem sendo replicada com profundidade pela doutrina mais recente. Dentre tantas formulações, cabe dar

voz a Lenio Luiz Streck e Georges Abboud (

O que é isto – o precedente judicial e as súmulas vinculantes?

, p. 127/128), para

quem: “Do mesmo modo como não podemos dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa no cotidiano — porque isso nos

afastaria da “vinculação linguística” que o modo prático de ser no mundo nos traz — também na aplicação do direito não

podemos decidir sobre o modo como ‘nos aproveremos’. No direito, igualmente não podemos ‘trocar o nome das coisas’.

Aliás, direito é

nomos

, Lei é

Gesetz

(deixar assentado). Interpretação é aplicação; é assentar sentidos. Os sentidos não são

aleatórios. Não há grau zero. Há uma cadeia interpretativa que nos vincula. Tanto no cotidiano como no direito. Assim,

de cada decisão extrai-se um princípio (subjacente a cada decisão) e que é aplicável aos casos seguintes. Ele os norteará.

Podemos chamar a esse norteamento de ‘vinculação interpretativa’, que se constitui a partir da coerência e da integridade

do direito. Desse modo, se é súmula ou lei, tanto faz. Trata-se de um texto que somente existe interpretativamente. Não há

textos sem normas, e a norma exsurge da facticidade. Isso se chama de

applicatio.

Em cada interpretação, sendo súmula ou

lei (ou precedente, para contentar os aficcionados pela tese da

commonlização

), deve haver sempre a reconstrução do caso,

o que implica reconstruir interpretativamente a história institucional do instituto ou dispositivo sob comento. Se estamos

diante de um caso de

habeas corpus

que trata da discussão do dolo eventual ou culpa consciente em delito de trânsito, não

adianta a dogmática jurídica examinar de forma lexicográfica os conceitos de dolo eventual ou culpa. Essa carga interpre-

tativa fará parte da reconstrução do caso a ser examinado. Em que circunstâncias ocorreu o caso concreto? Não adianta

uma súmula ou um ementário ou a simples invocação de um precedente trazer um belo conceito de dolo eventual...A

questão é: diante daquele caso, é aplicável? Esse caso é similar aos anteriores que institucionalizaram aquilo que podemos

chamar de ‘princípio’ norteador? (...)”.