

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 164 - 195, Janeiro/Abril 2018
189
Também por isso, e não só por pertencer ao mérito, não é correto conceituar
o interesse processual como condição da ação, desde que não se alinha logica-
mente esse conceito com os de possibilidade e legitimação.
No exemplo anteriormente formulado do débito oriundo de dano
que um dos interessados haja causado ao outro (cuja lógica, no particular,
é a mesma para outras relações de direito material), as questões relativas ao
conteúdo objetivo dessa relação e à identidade das pessoas que nela estão
envolvidas resolvem-se sem necessidade de existência, atual ou virtual, de
acta tria personarum
. É possível discutir-se nesse plano o conteúdo objetivo
do vínculo substancial e a identidade dos figurantes, sem tomar-se em conta
a eventualidade do processo ou mesmo a presença de um conflito. Não se
pode dizer o mesmo do interesse de agir, umbilicalmente ligado, se não à
existência efetiva do processo, pelo menos à virtualidade de sua instauração.
Vista a suposta obrigação de indenizar do exemplo anterior, os seus sujeitos
ativo e passivo (Ápio e Bruno) são conhecidos (e sabe-se de antemão que
Caio não participa dela), assim como a natureza do vínculo (reparação pe-
cuniária a ser prestada por este àquele), mas só na perspectiva do processo
– existente ou cogitado – se poderá saber se ele é necessário e apto a produzir
a realização de tal resultado.
Há uma instigante observação terminológica (aparentemente desim-
portante, mas valiosa) que permite perceber com clareza a diferença. Con-
quanto usadas eventualmente como sinônimas, a voz
interesse processual
, a
rigor, é mais específica e mais restritiva do que a locução
interesse de agir
,
posto que a atuação do interessado sobre o mundo exterior, o seu agir, tam-
bém se pode desenvolver em sede extraprocessual.
72
Na visão estritamente
processual, o interesse só se pode averiguar com os olhos postos no processo
concretamente considerado (atual ou projetado), desencadeado pelos pedi-
dos e requerimentos do autor. E esse é o traço distintivo básico entre esse
requisito e as demais condições da ação, cuja ocorrência se pode verificar na
própria relação jurídico-material antes de sequer se imaginar que ela venha a
ser objeto de postulação judicial.
Minha proposta, pois, é a de, ainda quando se admita a categoria das
condições da ação, ser excluído dela o interesse de agir em juízo, que se situa
melhor como pressuposto processual. Restaria indagar – e esse é um desafio
chegou a falar de “carência da jurisdição”. Talvez em tal conceito se pudesse melhor inserir o requisito do interesse de agir,
que, aliás, segundo a última posição do mestre peninsular na leitura de seus seguidores, contém aquele outro requisito (cf.
nota 106 de Dinamarco à edição por ele traduzida do
Manual
, p. 160-1.
72
N
elson
N
ery
J
r
.; R
osa
M
aria de
A
ndrade
N
ery
,
Comentários ao Código de Processo Civil
(de 1973), p. 526, São Paulo, 1997.