

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 79, p. 11 - 49, Maio/Agosto 2017
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O filósofo Aristóteles faz, em sua principal obra sobre ética, “Ética
a Nicômaco”, considerações sobre ser justa a aplicação da pena dobrada
ao criminoso que pratica a ação em estado de embriaguez. Aduz o filósofo
que o homem seja punido pela sua própria ignorância quando o julga
responsável por ela, ou seja, no caso da embriaguez, em que as penas são
dobradas para os delinquentes, uma vez que o princípio motor está no
próprio agente, pois estava em seu alcance não ficar embriagado e, por
isso, torna-se responsável pela sua ignorância
3
. Entende-se que o agente
dava causa à ignorância e ao crime e, sendo assim, a ignorância do ébrio
não eximiria o caráter volitivo das suas ações, porque sua ignorância é
absolutamente voluntária.
Na Idade Média, o Direito Canônico se concentrava na doutrina de
Santo Agostinho, que era adepto de castigar apenas a embriaguez, ou seja,
a embriaguez por si mesma era delito merecedor de punição como forma
exemplar, haja vista entender-se que a embriaguez era o único ato voluntário
praticado nesse contexto de acontecimentos, reprovável em si mesmo, sendo
a causa final da conduta delitiva
4
.
No Direito Canônico, o agente era inimputável pela a ausência de
vontade em relação à prática criminosa, mas era culpável pelo estado de
embriaguez voluntária. Todavia, se a embriaguez não foi voluntária, mas
acidental, não havia sanção. Sob a perspectiva do Direito Canônico, se a
embriaguez que resulta do ato não envolve pecado, o pecado subsequente
está desculpado. Como exemplo, trazemos a lúmen o caso de Ló (Gênesis
19, 32-38). Ló fora viver para a montanha, habitando numa caverna com as
suas duas filhas. Estas, preocupadas por não terem filhos e acreditarem que
seu pai era o único homem da Terra, com
animus
de perpetuar a descendên-
cia, resolveram embriagar o pai e dormir com ele. Assim fizeram duas noites
seguidas sem que ele percebesse, pois agia inconscientemente. Dessa forma,
o pecado de Ló é escusado porque deriva de um ato precedente de que está
também ausente o pecado
5
.
São Tomás de Aquino, ao realizar um assomo teológico e filosófico,
traduz compreensões medievais sobre a embriaguez e as concepções bíblicas
à luz das influências aristotélicas.
3 ARISTÓTELES, 1991: 56.
4 BUSATO, 2009: 156.
5 CARAMELO, 2001: 51.