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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 39 - 71, Janeiro/Abril 2017

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A jurisdição é essencialmente uma função estatal. Por isso, em mo-

mentos históricos diversos, desde a Antiguidade, passando pelas Idades

Média, Moderna e chegando à Contemporânea, o Estado, invariavelmente,

chamou para si o monopólio da jurisdição, sistematizando-a, a partir de

Luís XIV. A atuação jurisdicional, então, era um poderoso mecanismo para

assegurar o cumprimento das leis.

No entanto, Leonardo Greco

7

admite que a jurisdição não precisa ser,

necessariamente, uma função estatal.

É claro que não se pode simplesmente desatrelar a jurisdição do

Estado, até porque, em maior ou menor grau, a dependência do Estado

existe, principalmente para se alcançar o cumprimento da decisão não estatal.

Por outro lado, podemos pensar no exercício dessa função por outros

órgãos do Estado

8

ou por agentes privados

9

.

O próprio Cappelletti

10

defendeu o desenvolvimento da justiça coe-

xistencial

11

, mesmo sem a participação e controle do Estado, de acordo com

o tipo de conflito. Como exemplos concretos de “Tribunais de Vizinhança”,

já observava os “Tribunais de Camaradas” do Leste Europeu, as “Comissões

Sociais de Conciliação” polonesas e o

conciliateur

local francês

12

. De resto,

a desjudicialização dos conflitos encontra-se inserida na terceira onda

de acesso à justiça prenunciada pelo doutrinador italiano.

7 GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil, vol. I, 5a edição, Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 70. “a composição

de litígios e a tutela de interesses particulares podem ser exercidas por outros meios, por outros órgãos, como os órgãos

internos de solução de conflitos, estruturados dentro da própria Administração Pública, compostos de agentes dotados de

efetiva independência, e até por sujeitos privados, seja por meio de arbitragem, seja pela justiça interna das associações”.

8 “Assim como a normatividade não é monopólio do Legislativo, a realização do justo não é monopólio do Judiciário. Há

lugar para a mediação, para a arbitragem, para a negociação, para o juiz de aluguel e outras modalidades de solução dos

conflitos” (NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à justiça. 2ª ed., São Paulo: Ed. RT, 2000, p. 100).

9 “O sentido contemporâneo da palavra jurisdição é desconectado – ou ao menos não é acoplado necessariamente – à

noção de Estado, mas antes sinaliza para um plano mais largo e abrangente, onde se hão de desenvolver esforços para (i)

prevenir formação de lides, ou (ii) resolver em tempo razoável e com justiça aquelas já convertidas em processo judiciais”

(MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A resolução dos conflitos e a função judicial no contemporâneo Estado de Direito.

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 52).

10 “Mas a temática daquilo a que chamei a ‘terceira onda’ vai muito mais além dessas formas de simplificação dos pro-

cedimentos e dos órgãos de justiça. Muito importante é a substituição da justiça contenciosa por aquela que denominei

de justiça coexistencial, isto é, baseada em formas conciliatórias” (CAPPELLETTI, Mauro. Problemas de Reforma do

Processo nas Sociedades Contemporâneas. In: Revista Forense, n. 318, pp. 123-124).

11 Em uma de suas mais felizes passagens, pontifica o Mauro Cappelletti: “o recente despertar de interesse em torno do

acesso efetivo à Justiça levou a três posições básicas, pelo menos nos países do mundo Ocidental. Tendo início em 1965,

estes posicionamentos emergiram mais ou menos em sequência cronológica. Podemos afirmar que a primeira solução

para o acesso - a primeira ‘onda’ desse movimento novo - foi a assistência judiciária; a segunda dizia respeito às reformas

tendentes a proporcionar representação jurídica para os interesses ‘difusos’, especialmente nas áreas da proteção ambiental

e do consumidor; e o terceiro - e mais recente - é o que nos propomos a chamar simplesmente “enfoque de acesso à

justiça” porque inclui os posicionamentos anteriores, mas vai muito além deles, representando, dessa forma, uma tentativa

de atacar as barreiras ao acesso de modo mais articulado e compreensivo”. (CAPPELLETTI, Mauro, GARTH, Bryant

[tradução de Ellen Gracie Northfleet]. Acesso à Justiça, Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1988, p. 31 e ss.).

12 Ibidem. pp. 114-120.