

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 286 - 317, Janeiro/Abril 2017
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mais investigar a forma pela qual o poder político é exercido do que averi-
guar quem o exerce. Pode-se dizer, então, que a divisão cerrada de funções se
afastou do núcleo essencial do princípio da separação de poderes, infiltran-
do-se mais ainda na zona de colisão.
A vertente política da correlação de forças entre órgãos distintos e
independentes e a natureza instrumental e funcional não representam indi-
cativos de que o princípio da separação de poderes seja vazio de conteúdo
jurídico. A categoria de norma principiológica confere ao princípio da se-
paração de poderes conteúdo flexível e dinâmico, permitindo adaptação às
exigências das circunstâncias políticas, sociais e jurídicas de cada momento
histórico. Porém, como a liberdade integra o núcleo imutável da separação
de poderes, pois ainda revela a sua principal justificativa, enquanto ideia
reguladora de conteúdo programático não pode ser afastada do conteúdo
do princípio. A rigor, como adverte Piçarra, o princípio da separação de
poderes continua a ser compreendido como “princípio de moderação, racio-
nalização e limitação do poder político-estadual no interesse da liberdade”,
o que caracteriza “o seu núcleo imutável.”
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Sob a perspectiva teleológica, de fato, a liberdade constitui o núcleo
essencial e invariável do princípio da separação de poderes. Contudo, os
meios de obtenção da liberdade no Estado Democrático de Direito contem-
porâneo exigem mais do que a simples não intervenção na esfera privada,
garantida pelos direitos individuais. Deste modo, o dever de concretização
dos direitos socioeconômicos reivindica prestações positivas, o que deter-
mina a atuação proativa do Estado, paralelamente à postura absenteísta, de
maneira a garantir a liberdade a partir da igualdade material dos cidadãos.
Ademais, o Estado do século XXI também possui compromissos
sensíveis e complexos relativos à tutela de direitos de matriz difusa, deno-
minados direitos fundamentais de terceira e quarta dimensão, que trans-
cendem aos próprios interesses nacionais, pois traduzem preocupações da
comunidade global e do próprio gênero humano.
57
Sendo assim, para o
56 PIÇARRA, N. Obra citada, p. 26.
57 O valor subjacente aos direitos fundamentais de terceira geração é a fraternidade (ou para alguns autores, a solidarie-
dade), que se agrega aos valores da liberdade e da igualdade dos direitos de primeira (direitos individuais e políticos) e de
segunda (direitos socioeconômicos) geração, respectivamente. Os direitos fundamentais de terceira geração não têm por
destinatários os indivíduos ou um grupo de determinado Estado nacional, mas o gênero humano. São exemplos de direi-
tos fundamentais de terceira geração o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio ambiente, o direito de
propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação. Os direitos fundamentais de quarta
geração também transcendem aos interesses dos indivíduos ou de um grupo de um determinado Estado nacional, pois
são objeto de uma universalização no campo institucional, isto é, por obra do Direito Internacional positivo. Esta univer-
salização de direitos é resultado da globalização política na esfera da normatividade jurídica, e corresponde à última fase
de institucionalização do Estado social. São exemplos de direitos fundamentais de quarta geração o direito à democracia,