

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 286 - 317, Janeiro/Abril 2017
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gir, do ponto de vista organizacional, a concentração de poder na sociedade
resultante da democracia.
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Nota-se, portanto, um duplo aspecto na clássica
divisão de funções proposta pela ideologia liberal-burguesa, cujo fundamen-
to consistia na imposição de restrições à ação do Estado e aos cidadãos, que
até então eram considerados súditos.
Todavia, nos dias atuais, já não seria mais possível sustentar uma
divisão de funções em compartimentos estanque entre órgãos estatais, nos
moldes da tripartição clássica. Assim sendo, a separação de poderes deve ser
compreendida à luz de uma racionalidade branda, uma vez que nem sempre
os executores do poder político se encaixarão perfeitamente nos modelos
dos “três poderes”, e, também, pelo fato de os órgãos do Estado, cada vez
mais, desempenharem funções atípicas.
Porém, às vezes, o próprio direito positivo é influenciado pela tendência
de se encaixar de qualquer maneira o exercício de “poderes” por aparelhos
independentes no esquema da tripartição clássica, como por exemplo, no
caso brasileiro, os tribunais de contas, que se vinculam ao legislativo, as
agências reguladoras e o ministério público, ambos integrantes formais da
estrutura do executivo, e o conselho nacional de justiça, pertencente ao
judiciário.
As dificuldades de se compreender o princípio da separação de po-
deres como a divisão rígida de funções estatais entre órgãos específicos, sem
qualquer correspondência, de maneira quase matemática, conforme preco-
nizado pela teoria clássica, são aumentadas pelos espaços de interseção veri-
ficados entre as funções estatais, como, por exemplo, o poder regulamentar
autônomo do Chefe do Poder Executivo e as súmulas vinculantes, bem
como pelo surgimento de novos centros de poder autônomo com compe-
tências técnicas e específicas, tais como as agências executivas e as agências
reguladoras.
Não deve ser esquecido também que, em nome da eficiência e da
prestação de serviços públicos de qualidade à população, o Estado contem-
porâneo delega atividades tipicamente administrativas à iniciativa privada,
no âmbito de programas de parceria, além de permitir a participação de
entidades do terceiro setor e de organizações da sociedade civil no exercício
de funções tradicionalmente executadas por órgãos e entidades estatais.
Embora a divisão de funções para o exercício do poder político inte-
gre o conteúdo do princípio da separação de poderes, atualmente importa
55 CASSESE, S. Obra citada, p. 36.