

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 188 - 213, Janeiro/Abril 2017
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3.3. A supressão do abuso do direito e a observância do dever de leal-
dade e do princípio da boa-fé objetiva.
O instituto do abuso de direito foi concebido através de construção
doutrinária e jurisprudencial do século XX, encontrando-se vestígios na teo-
ria do direito romano.
O ato abusivo não se confunde com o ato ilícito, o que diferencia é
a natureza da violação a que os atos se referem. No ato ilícito, a pessoa fere
diretamente o regramento jurídico, pressupondo-se, então, que este contenha
previsão expressa daquela conduta. No abuso do direito, a pessoa aparente-
mente age no exercício do seu direito , todavia, transgride valores que justi-
ficam o reconhecimento desse mesmo direito pelo ordenamento, no plano
da antijuridicidade.
O Código Civil de 1916 acolheu o abuso de direito de forma modes-
ta, proibindo atos irregulares. Aduz, em seu art. 160, inciso I: “Não consti-
tuem atos ilícitos: I- os praticados em legítima defesa ou no exercício regular
de um direito reconhecido.”
Já o Código Civil de 2002 trouxe o critério do abuso embutido no
desvio do direito no que tange à sua finalidade ou função social. Preceitua
esse diploma legal em seu art. 187: “Também comete ato ilícito o titular de
um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos
pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”
Assim o abuso do direito encontra-se relacionado ao princípio da
boa-fé, como parâmetro para definir os limites do antijurídico.
O princípio da boa-fé objetiva, na taxionomia do Código Civil, é
cláusula geral balizadora da validade dos contratos, não só nas relações de
consumo como também nas relações civis e empresariais.
O art. 422 do Código Civil refere-se expressamente a esse princípio:
“Os contratantes são obrigados a guardar assim na conclusão do contrato,
como em sua execução, os princípios da probidade e da boa-fé.”
A segurança das relações jurídicas depende da lealdade e da confiança
dos pactuantes, impondo o dever de conduta honesta, reta e leal, com o fim
mo entregando sua liberdade em razão de eventual inadimplência contratual, sem qualquer direito de defesa. Vejam-se, por
oportuno, diversos exemplos que infringem os direitos humanos privados, segundo o magistério do doutrinador Fernando
Rodrigues Martins, a saber: a prisão civil em matéria de alienação fiduciária em garantia: a edição da Resolução 980/84
que, em sede de contrato de leasing, o desnaturou para compra e venda e, como tal, impossibilitou que os arrendatários
pagassem somente o aluguel, elidindo o direito de escolha ao final do contrato (art. 6º, II, do CDC); o leilão extrajudicial
do bem imóvel adquirido nos termos do De. Lei 70/66, sem interferência do Poder Judiciário; a resolução do contrato de
trato sucessivo, ainda que adimplido em larga escala, entre outro. (HORA NETO, João). O princípio da Função Social do
Contrato no Código Civil de 2002.
Revista de Direito Privado.
São Paulo. v. 4, n. 14, abr./jun. 2003, p. 46)