

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 78, p. 188 - 213, Janeiro/Abril 2017
212
Não há como dissertar sobre a função social do contrato sem tocar no
assunto a seguir. Na modernidade, a chamada socialização do risco norteia
diversos setores, como no caso de acidente de trabalho, transportes aéreos,
ferroviários, bem como a responsabilização médica.
É cediço que diversos pacientes alegando erro médico ingressam peran-
te o Poder Judiciário requerendo indenizações por danos materiais e extrapa-
trimoniais, em restando viabilizada e bem-sucedida a demanda poderá ocasio-
nar a ruína financeira do prestador de serviço ante as vultosas obrigações de
indenizar. Por outro lado, o lesado poderá ter o pedido julgado procedente,
ausente o recebimento do
quantum
devido diante da insolvência do médico/
devedor. A socialização do risco ameniza tais situações, permitindo ao respon-
sável oferecer garantias sem afastar a responsabilidade, rendendo homenagens
ao princípio da boa-fé objetiva, à lealdade, à transparência máxima, enfim,
observando a função social do contrato.
Assim, a socialização do risco suaviza a tão nobre missão do trato
com a saúde da coletividade, preservando a dignidade da pessoa humana, de
maneira salutar.
Henri, Leon e Jean Mazeaud
32
questionam se o seguro é uma obri-
gação acessória em um contrato. O exemplo é um contrato médico, cuja
obrigação principal é se empenhar em atender o cliente, e velar pelo seguro
do enfermo. Ao contrário, em outros contratos, a obrigação de seguro, se
existe, é uma obrigação acessória. Afirmam que a jurisprudência considera
a obrigação de seguro como responsabilidade contratual pela força que cir-
cunda o contrato.
A saúde é o ponto principal da vida, com guarida em sede constitu-
cional (art. 196 da CF/88).
A medicina é uma arte que exala a perpetuação da humanidade. Inse-
rir a função social do contrato em sede de prestação de serviços médicos é
é o seguinte: Laboratório X realiza exame em determinada pessoa, constando no corpo do resultado ser o consumidor
portador da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida, por um erro na feitura do exame. Caso o laudo seja endereçado
ao médico que solicitou a prestação de serviço ao laboratório, o paciente não pode violar a correspondência, se o fizer,
restando sabedor do resultado equivocado, ausente ciência do médico e, posterior ajuizamento de ação com cunho in-
denizatório, em face do laboratório, poderá ensejar o insucesso ante a violação de um direito constitucional, violação de
correspondência. O médico deveria receber o resultado do exame lacrado e, entendendo cabível, solicitar novo exame,
ausente conhecimento do paciente sobre o resultado incorreto. Todavia, se o resultado do exame for endereçado ao pró-
prio cliente, não há que se falar em violação de correspondência.
32 “Dans quelques contrats, par exemplo le contrat medical, l’obligation de sécurité est une obligation principale: en
s’engageant à soigner son client, le médecin prend l’obligation de veiller sur la sécurité du malade. Au contraire, dans une
foule d’autres contrats, l’obligation de sécurité, si elle existe, n’est qu’une obligation accessoire. Mais existe-t-elle Sans
doute elle existe comme obligation délictuelle et quasi délictuelle; mais existe-t-elle comme obligation contractuelle. L’une
des parties s’est-elle oblige dans le contrat à donner la ´securité à l’autre.
La jurisprudence a considérablement étendu le domaine de la responsabilité contractuelle, n’hesitant pas à <<forcer>>
le cercle du contrat pour y faire entrer une obligation de sécuité que les contractants n’avaient sans doute pas songé
à inclure.” (MAZEAUD, Henri; MAZEAUD, Léon; MAZEAUD, Jean.
Leçons de Droit Civil.
T. II. Paris: Nouvelle
Licence, 1991, p.321.)