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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 77, p. 25 - 38, Janeiro 2017

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cesso (um admirável processo novo), tornando-o previsível, sem que

se observe sua estrutura dialética, ou, quando muito, a exigência de

um mero contraditório formal para alterar o seu resultado.

Voltaremos, adiante, à análise do contraditório. Mas antes dis-

so, uma curiosidade que minha formação linguística não me permite

ignorar. E aqui, já antevendo críticas por misturar realidade e fantasia,

me defendo usando as palavras de FELMAN

4

, que como flecha-cer-

teira acertam no alvo da mediocridade: “Precisávamos de arte – a lin-

guagem da infinidade – para prantear as perdas e enfrentar o que, na

memória traumática, não está encerrado e não pode ser encerrado”.

A literatura fantástica nos aproxima de temas que parecem intangí-

veis, tornando a discussão mais rica. Mantenho, pois, a indagação.

2. E Se os Eventos Narrados Fossem Uma Peça de

Shakespeare?

Se ambos os casos verídicos narrados acima fossem uma peça

de Shakespeare, haveria alguma chance de escapatória dos Réus?

Em um primeiro exemplo do dramaturgo elisabetano, o Réu

poderia ter alguma esperança (teria escrito, talvez:

taking adversarial

seriously

). Mas, veremos em seguida, que, seja na realidade dura da

vida, ou nos exemplos clássicos da dramaturgia, a defesa não tem o

papel de preponderância que merece em um julgamento.

No

Mercador de Veneza

, Bassanio pega por empréstimo uma

quantia em dinheiro do judeu Shylock e nomeia Antonio, o merca-

dor, como seu fiador. Ocorre que a dívida não foi paga, e a multa

pelo inadimplemento é um pedaço de carne do fiador.

Na data do julgamento, o Duque, mesmo sem obrigação legal,

aceita a manifestação da defesa, feita por Pórcia, amante de Bassanio,

travestida de homem.

E depois de abordada toda a tese defensiva, o Réu é absolvido,

com a seguinte sentença: “Para mostrar que existe um outro espírito,

eu lhe dou sua vida sem que a peça. Antonio tem metade do que é

seu, para o Estado vai a outra metade – que a piedade talvez comute

em multa”

5

.

4 FELMAN, Shoshana.

O Inconciente Jurídico

: Julgamentos e Traumas do Século XX. Tradução: Ariani Bueno Sudatti.

São Paulo: Edipro. 2014, p. 150.

5 SHAKESPEARE, William.

O Mercador de Veneza

. Traduçao: Bárbara Heliodora. Rio de Janeiro: Lacerda. 1999, p. 124.