

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 77, p. 25 - 38, Janeiro 2017
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A título de curiosidade, seus alunos caluniadores, Meleto e Ani-
to, morreram anos depois execrados pela sociedade, descoberta a
farsa das acusações. Só então, e já era tarde, a população digeriu os
fundamentos do sábio pensador.
Esse infausto destino traçado na “Apologia de Sócrates”, trans-
crito por Platão, infelizmente, não foi cena exclusiva dentre os ate-
nienses.
Em Jerusalém, cerca de vinte e três séculos depois (1961), ou-
tro Réu ouviu mais do que falou em seu julgamento e suas manifes-
tações defensivas foram praticamente desconsideradas: Adolf Eich-
mann.
Não se pode negar que as circunstâncias do julgamento eram
completamente diferentes, mas, para os fins que este modesto artigo
pretende abordar, é possível notar a discrepância, em tempo e quali-
dade, entre as manifestações da acusação e da defesa.
Em comum, também, o resultado: a condenação à pena de
morte.
No segundo maior julgamento de um nazista (atrás apenas do
Tribunal Militar Internacional de Nuremberg), Hannah Arendt chega
a mencionar que os juízes de Jerusalém concederam às vítimas e às
testemunhas de acusação o “direito à irrelevância”
2
.
Moshe Landau, presidente do júri, entendeu que seria uma
covardia por parte do Tribunal, além de um ato desumano, se os de-
poimentos daquelas pessoas fossem barrados ou suprimidos, depois
de tanto horror e iniquidade que elas passaram em Theresienstadt.
Em verdade, ninguém que depôs confirmou, de forma inequívoca,
os fatos imputados a Eichmann. Todavia, puderam se manifestar por
tanto tempo fosse necessário para expor ao mundo as maldades co-
metidas no regime nazista. Julgou-se o fato histórico, e não o Réu.
Concluiu, então, a filósofa judia alemã: “em resumo, o tribunal
tinha sido injusto, o julgamento tinha sido injusto”
3
.
Em ambos os casos, em uma análise perfunctória, é possível
notar a completa desimportância dada às manifestações defensivas.
O julgamento-espetáculo condiciona o desenvolver e o final do pro-
2 ARENDT, Hannah,
Eichmann em Jerusalém
:
um relato sobre a banalidade do mal.
Sao Paulo: Companhia das
Letras. 1999, p. 246.
3
Ibidem
. p. 270.