

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 77, p. 101 - 129, Janeiro 2017
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contravenção à Lei, mas, sim, aos princípios gerais do direito.
E, mais espetacularmente ainda, na hipótese do art.16 dessa
Constituição, na assunção, pelo Presidente da República, de to-
dos os poderes em situações de emergência, afirmando que tal
situação excepcional (similar à do famoso art. 48 da Constitui-
ção de Weimar, que consagrava a “ditadura constitucional” do
Presidente, na famosa caracterização de Carl Schmitt, e que foi
o artigo sobre o qual Hitler fundou o seu poder) não exime o
Presidente da observância dos princípios gerais do direito, po-
sição com base na qual o Conselho de Estado não hesitou em
anular uma condenação de morte – já transitado em julgado e
pendente de execução – por um tribunal de exceção criado por
norma ditada pelo General de Gaulle no uso desses poderes,
por entender o Conselho de Estado, em 1962, que tal norma
(ordonnance) violava aqueles princípios gerais.
A Lei espanhola da jurisdição do contencioso-administrativo
acolheu resolutamente essa corrente ao substituir a expressão
“infração do ordenamento jurídico” pela tradicional expressão
“infração da lei”, esclarecendo, na Exposição de Motivos, que
“o jurídico não se encerra e se circunscreve às disposições escri-
tas, mas estende-se aos princípios e à normatividade imanente
da natureza das instituições”.
A Constituição de 1978 instala uma jurisprudência de valores,
entre os quais qualifica de superiores todos os direitos funda-
mentais – a liberdade, a igualdade (art. 1.1) -, além da justiça
em si. Há um mandato outorgado a todos os poderes públicos,
e, portanto, ao juiz, para tornar esses valores “reais e efetivos”,
e de “remover os obstáculos que impeçam ou dificultem a sua
plenitude” (art. 9.2). Por outro lado, a Constituição formula
expressamente princípios, assim chamados (art. 9.3) os que reú-
ne em enumeração própria ou os dispersos pelo texto constitu-
cional, aos quais atribui pleno valor normativo, como o Tribu-
nal Constitucional cuidou de estabelecer desde a sua primeira
declaração de inconstitucionalidade, de 2 de fevereiro de 1982
(“valor aplicativo e não meramente programático”).
O princípio de interdição da arbitrariedade dos poderes públi-
cos é um desses princípios constitucionais do art. 9.3 e se diri-