

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 76, p. 205 - 215, out. - dez. 2016
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Em entrevista coletiva inusitadamente convocada para anunciar o
oferecimento de denúncia contra o ex-presidente da República, Luiz Iná-
cio Lula da Silva, o procurador afirmou:
“Precisamos dizer desde já que, em se tratando da lavagem
de dinheiro, ou seja, em se tratando de uma tentativa de
manter as aparências de licitude, não teremos aqui provas
cabais de que Lula é o efetivo proprietário no papel do apar-
tamento, pois justamente o fato de ele não figurar como pro-
prietário do tríplex, da cobertura em Guarujá, é uma forma
de ocultação, dissimulação da verdadeira propriedade.”
Lendo de todas as formas possíveis tal declaração, não se chega a
outra conclusão: o órgão com atribuição para oferecer a denúncia, nos
estritos parâmetros da Constituição Federal, afirmou que o fato de não
haver provas cabais consiste na prova cabal do fato!
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É mais um sintoma da desordem jurídica em cascata que decorre
diretamente de uma judicialização exagerada, com sucessivas e banali-
zadas violações de garantias constitucionais, traduzidas em vedado ati-
vismo judicial.
Repito: contra texto expresso da Constituição não cabe interpreta-
ção restritiva de direitos nem mesmo pelo Pretório Excelso.
Nesse estado de coisas, o ordenamento constitucional vai ruindo
e subsistindo apenas formalmente de tão (des)normatizado justamente
pelos órgãos a quem a Constituição Federal incumbe a competência de
resguardá-lo.
A quebra do tecido constitucional é como uma fila de dominós cain-
do uns sobre os outros; os interesses dos donos dos fatores de produção
vão se impondo com supressão das poucas conquistas sociais obtidas com
sangue, suor e lágrimas. E aqui me limito a exemplificar com a recente
decisão do STF que declarou que, nas relações de trabalho, o negociado
pode prevalecer sobre o legislado, deliberadamente fechando os olhos
para o fato de que onde não há igualdade não há liberdade de contratar.
E nesse (des)ordenamento jurídico constitucional que se descortina,
é inegável que sobrevivem os fortes, os donos dos fatores reais do poder,
16 Após a conclusão desse texto, foi divulgada a notícia de que a denúncia fora recebida pelo Juízo competente.