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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 75, p. 96 - 130, jul. - set. 2016

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problemas de técnica legislativa? Erros teóricos foram cometidos? Poder-

se-ia ter avançado mais?

Mauro Cappelletti, após referenciar as críticas que foram dirigidas

ao

Projeto de Acesso à Justiça

, advertiu que há dois modos de se recusar

mudanças: “um é simplesmente dizer não às reformas; o outro - talvez

menos ostensivo - é exigir perfeição (o enfoque do tudo-ou-nada)”.

8

Assiste razão ao mestre florentino. É fácil ser engenheiro de obra

pronta. O processualista deve estudar o novel CPC sob o prisma de suas

potencialidades emancipatórias. Cotejando-se o novo e o velho, nem o

mais empedernido misoneísta poderá negar que o avanço foi grande.

Cabe ao operador do direito, agora, deslaçar as amarras dogmáticas con-

cebidas à base de um

modelo monopolista de jurisdição

e permitir que a

sociedade, no exercício pleno de sua cidadania, atue participativamente

do processo decisório.

2. Barreiras Teóricas, Culturais e Institucionais

Conforme salientado, no Brasil não é nova a percepção de que so-

luções amigáveis deveriam estar à disposição dos cidadãos para fins de

composição de suas controvérsias. Todavia, barreiras teóricas, culturais

e institucionais precisavam ser superadas para que se avançasse na ma-

téria. Esses obstáculos podem ser visualizados, seguindo os passos de

Cappelletti, tanto no plano dos “produtores” do direito quanto no dos

“consumidores” do serviço de justiça.

9

Do ponto de vista teórico, saliente-se que vicejou na doutrina, du-

rante longo período, a tese de que o Estado deteria o monopólio da fun-

ção jurisdicional. A esse propósito, recorde-se o conceito de jurisdição de

uma das mais festejadas obras de Teoria Geral do Processo:

"Que ela é uma função do Estado e mesmo monopólio es-

tatal, já foi dito; resta agora, a propósito, dizer que a juris-

dição é, ao mesmo tempo,

poder, função e atividade

. Como

poder, é manifestação do poder estatal, conceituado como

8 "Os métodos alternativos de solução de conflitos no quadro do movimento universal de acesso à justiça".

Revista

de Processo

n° 74/1994, p. 89, nota de rodapé n° 18.

9 “A velha concepção consistia em ver o direito sob a única perspectiva dos ‘produtores’ e de seu produto: o legislador

e a lei, a administração pública e o ato administrativo, o juiz e o provimento judicial. A perspectiva de acesso consiste,

ao contrário, em dar prioridade à perspectiva do consumidor do direito a da justiça: o indivíduo, os grupos, a sociedade

como um todo, suas necessidades, a instância e aspiração dos indivíduos, grupos e sociedades, os obstáculos que se in-

terpõem entre o direito visto como ‘produto’ (lei, provimento administrativo, sentença) e a justiça vista como demanda

social, aquilo que é justo”. ("Acesso à justiça e a função do jurista".

Revista de Processo

nº 61, jan-mar/1991, p. 156)