

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 75, p. 56 - 85, jul. - set. 2016
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de meio século depois do caso
Bank of United States v. Deveaux
. Nesse
caso, Aaron Salomom, que havia se dedicado durante alguns anos a ativi-
dade de tratamento de peles e a manufatura de botas, decidiu constituir
uma sociedade que adquirisse o seu negócio. Essa sociedade era formada
pelo próprio Aaron Salomom e por outros seis membros de sua família,
com a subscrição de 20.000 ações, atribuindo-se apenas uma ação para
cada um dos seus outros seis sócios e mantendo-se as demais em poder
de seu fundador. Após a constituição da sociedade, o estabelecimento de
Aaron Salomon foi repassado a esta, através do comprometimento de pa-
gamento no valor de trinta e oito mil libras. O negócio prosperou e quan-
do a sociedade foi liquidada, um ano após, seu passivo excedia o ativo em
sete mil setecentos e trinta e três libras. O liquidante, representando os
credores não privilegiados da sociedade, alegou que esta nada mais era
do que uma ficção destinada a limitar as dívidas de seu sócio majoritário,
de forma que este deveria ser obrigado a satisfazer as dívidas da socie-
dade e seu crédito deveria ser preterido em relação aos demais credores
sociais. O juiz de primeiro grau e a Corte de Apelação desconsideraram
a personalidade jurídica dessa Companhia, considerando-a uma exten-
são da atividade individual de seu sócio controlador, ou seja, uma
agent
ou
trustee
de Aaron Salomon, o qual continuava a ser o proprietário do
estabelecimento que falsamente transferira à sociedade. Carmem Boldó
Roda, ao tecer comentários a essa decisão, refere que o juiz VanghamWi-
lliams, que realizou o julgamento de primeiro grau, valeu-se da seguinte
argumentação: “
parece sin embargo que cuando uno considera el hecho
de que esos accionistas eran meros testaferros de Mr. Salomon, que éste
obtuvo la totalidad de las ganancias y que su intención fue obtener lu-
cro sin correr el riesgo de deudas y gastos, uno debe considerar también
la posición de los acreedores no privilegiados cuyos créditos ascienden a
11.000 libras. Como he senãlado, la sociedad era un mero testaferro de
Mr. Salomon y así deseo, si puedo, fallar en esto caso exactamente so-
bre las mismas bases que lo haría si el testaferro, en lugar de ser una
sociedad hubiese sido algún sirviente o agente al cual Mr. Salomon dio a
entender vender su negocio”
6
. O Tribunal de segundo grau chegou à mes-
ma conclusão, mas utilizou-se de argumento diverso, sustentando que os
Companies Acts
buscam conferir o privilégio da responsabilidade limitada
somente aos verdadeiros acionistas que realmente contribuíram para a
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Levantamiento del velo y persona jurídica en el derecho privado español
, 2ª ed., Pamplona: Editorial Aranzadi,
1997, p. 115.