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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 75, p. 56 - 85, jul. - set. 2016

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O caso

Bank of the United States v. Deveaux foi

julgado pelo célebre

Juiz Marshall, na Suprema Corte norte-americana. A discussão processual

foi centralizada no âmbito da definição da competência jurisdicional para

o seu julgamento. Até então esse Tribunal tinha se manifestado no sentido

de que a

corporation

, como reunião de várias pessoas, é invisível, imortal

e sua existência somente ocorre em virtude de seu reconhecimento pelo

sistema jurídico. Nessa linha de raciocínio, uma

corporation

– intangível

e invisível – não poderia ser considerada como cidadã de determinado

Estado Federado. A Constituição Federal norte-americana, em seu artigo

3º, seção 2ª, sem embargo, limita a jurisdição dos tribunais federais deste

país às controvérsias entre cidadãos de diferentes Estados. Entretanto, no

caso assinalado o Juiz Marshall, com a intenção de preservar a jurisdição

das Cortes Federais sobre as

corporations

, conheceu da causa, conside-

rando a condição das pessoas individuais que compunham a entidade. As-

sim, manifestou-se aquela Corte Suprema no sentido de que se deve levar

em conta a cidadania estadual dos indivíduos que compõem a sociedade.

Não há como se deixar de reconhecer, nesse

case

, um importante prece-

dente no sentido de levar em consideração não apenas a estrutura formal

das pessoas jurídicas, sendo imperativo, em certas situações específicas,

buscar a efetiva realidade que se esconde sob o seu manto protetor.

No âmbito da doutrina jurídica norte-americama, porém, a doutri-

na da

piercing the corporate veil

ganhou fôlego somente nas primeiras

décadas do século passado, incentivada, em especial, pelos trabalhos

pioneiros de I. Maurice Wormser, passando a contar, rapidamente, com

numerosa literatura jurídica, que não tardou a ser transposta para a seara

dos tribunais

5

.

No entanto, para muitos, o

leading case

da teoria da desconsidera-

ção da personalidade jurídica foi fixado por meio do famoso caso

Salomon

v. Salomon & Co. Ltd.,

julgado no Direito Inglês em 1897, e, portanto, mais

5 Em interessante estudo, datado da década de noventa do século passado, Robert B. Thompson realizou pesquisa

de campo, da qual extraiu uma série de dados demonstradora da aplicação da doutrina da desconsideração da

pessoa jurídica nos diversos tribunais estaduais norte-americanos. Nesse estudo, o jurista indica o percentual de

decisões favoráveis nas diversas cortes estatuais (v.g. no estado de Nova York, a aplicação da desconsideração foi

acolhida em 34,91% dos casos em que foi postulado o seu reconhecimento, na Califórnia, em 44.94% e, na Flórida,

em 41,30% dos casos), e indica a aceitação dos fatores mais alegados como motivo justificador para a efetivação

da desestimação da personalidade societária (v. g. a

instrumentality

foi alegada em 75 casos, sendo aceita em 73

deles, o que representa 97.33 %, a

alter ego

alegada em 181 casos, e acolhida em 173, num percentual de 95.58%,

a

misrepresentation,

alegada em 169 casos, e acolhida em 159, num percentual de 94.08%, a

agency,

alegada em

52 casos, e acolhida em 48, num percentual de 92.31%, a

dummy,

alegada em 78 casos, e acolhida em 70, num per-

centual de 89.74%, e a

undercapitalization

foi alegada em 120 casos, e acolhida em 88, num percentual de 73.33%)

"Piercing the corporate veil: a empirical study"

,

Cornell Law Review

, v. 76, jul/1991, p. 1036-1073.