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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 75, p. 56 - 85, jul. - set. 2016

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1. Considerações introdutórias

A teorização da pessoa jurídica representa uma das grandes realizações

do pensamento jurídico moderno, exercendo especial importância prática

em diversos setores do direito, mormente no âmbito das relações negociais.

Numa visão mais imediata o direito volta-se à regulamentação da

pessoa humana, dispondo sobre a sua conduta, suas relações e seus bens,

recepcionando e regulando a sua condição existencial, eis que somente

estas são capazes de entendê-lo e respeitá-lo e, eventualmente, sofrer as

consequências advindas da desobediência das determinações impostas

pelo ordenamento jurídico. A complexidade crescente das relações so-

ciais, porém, acarretou a necessidade de se ir além da pessoa natural,

concebendo-se a existência de entes abstratos, capazes de compartilhar

o cenário sociojurídico com os seres humanos. Ao lado da pessoa natural,

foi concebia a pessoa jurídica, apta a substituir os indivíduos nas relações

econômicas mais avançadas, com consideráveis vantagens.

Com a consolidação da condição da pessoa jurídica como sujeito de

direito autônomo, as experiências sociais trouxeram a preocupação com

a sua má-utilização, passando a se permitir o afastamento da personali-

dade do ente abstrato e, surpreendendo a realidade que lhe é subjacen-

te, autorizar que a responsabilidade patrimonial venha a recair sobre os

bens pessoais dos membros que a compõem. Foi criada, assim, a teoria da

desconsideração da personalidade jurídica. Surgida no âmbito do direito

anglo-saxão, não tardou a ocupar espaço cativo na prática de ordenamen-

tos jurídico dos mais diversos países, o que inclui o direito nacional, onde

representa um dos exemplos mais emblemáticos do ativismo jurispruden-

cial experimentado nas últimas décadas no cenário do direito brasileiro.

Apesar de sua origem estrangeira, a

disregard doctrine

encontrou no di-

reito nacional solo fértil para a sua consolidação, garantindo presença ca-

tiva em nossos debates jurídicos.

A consagração da

doutrina da desconsideração

ocorreu, num pri-

meiro momento, no ambiente pretoriano, a partir da década de oitenta

do século passado. A sua positivação, porém, foi tardia, sendo construída

de forma paulatina, por meio de legislações esparsas, até alcançar plena

realização com o advento do Código Civil central de 2002, que a ela dedi-

cou disposição normativa específica.

A normatização desta figura jurídica, no entanto, foi concretizada

tão somente no plano material, sendo que o tema continuava carecendo