

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 75, p. 285 - 304, jul. - set. 2016
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“Só quem passou fui eu e a outra Maria que fazia prova logo
depois de mim, mas porque na vez dela ainda tinha aquele
séquito lá. As outras duas rodaram com os desembargadores
que prometeram rodar. E um deles disse pra mim: ‘Eu que-
ria muito te rodar, Berenice. Mas eu não consegui’. E o ou-
tro falou: ‘De fato, fizeste uma prova para tirar dez. Mas eu
não vou te dar dez’. Aí me deu um nove na prova e eu caí na
classificação geral. Imagina perder um ponto??? Isso me deu
um negócio!!! Fiquei em sétimo lugar. Claro que isso era um
negócio que velava, mas foi isso.”
Por conta da limitação de espaço, não será possível narrar toda a
sua história aqui, mas, dentre as pioneiras, Berenice foi a única que trans-
formou todas as experiências negativas na busca da profissão negada às
mulheres em uma bandeira política e em uma busca de inclusão geral
feminina. São muitas as passagens de sua biografia em que isso fica claro.
Em suma, tentei mostrar aqui através de pequenas narrativas e
experiências a realidade hostil que o patriarcado impôs às pioneiras no
decorrer de suas carreiras e as estratégias que elas desenvolveram para
lidar com isso; a passividade, o apagamento de gênero, o enfrentamento,
a criação de cursos de ação específicos, a não criação de expectativas, a
publicização do problema (entre outras). Ainda assim, tendo que se valer
dessa série de estratégias, é importante frisar que todas as entrevistadas
se mostraram absolutamente apaixonadas pelo ofício. Parece que além
do prazer “comum” de receberem o
status
social da profissão - que recai
sobre todos, independentemente do gênero -, em termos simbólico-sub-
jetivos, no caso das pioneiras, soma-se a isso um incremento valorativo,
pois elas sabem que ocupam/aram um cargo de poder no qual a presença
feminina era inexistente; têm consciência de seu pioneirismo, apesar de
todo o apagamento que o ronda.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BERTAUX, Daniel: "A vingança do curso de ação contra a ilusão cien-
tificista".
Civitas.
Porto Alegre. V. 14. Nº 2. P. 250-271, maio-agosto 2014.
BONELLI, Maria da Glória: "Profissionalismo e diferença de gêne-
ro na magistratura paulista".
Civitas
. Porto Alegre. V.10. nº 2. P. 270-292,
maio-agosto 2010.