

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 75, p. 285 - 304, jul. - set. 2016
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Contudo, a partir do momento em que as pioneiras conseguem
tornar-se juízas, a possibilidade torna-se mais factível para outras mulhe-
res, de maneira que, lentamente, aumenta o número das bacharelas em
Direito que tentam o concurso para juíza e são aprovadas. Ao estudarmos
o início do processo de feminização, observamos que essas pioneiras in-
fluenciaram muito, apenas com seu exemplo, a série de outras mulheres
seguintes que tentaram a carreira. À medida que tal objetivo foi sendo
alcançado por um número cada vez maior delas, o “processo de feminiza-
ção” real, enquanto algo coletivo e potencialmente transformador (mes-
mo que não político), começou a tomar forma.
Dadas as circunstâncias de então, fato é que as
pioneiras
tiveram
que enfrentar uma série de restrições patriarcais no caminho. Tais restri-
ções foram pouquíssimo discutidas dentro dos estudos da Sociologia e,
talvez menos ainda, dentro do Direito. Seja por uma questão de discrição
da instituição em relação aos seus problemas internos (no caso, seu cará-
ter patriarcal), seja pelo fato de que tal temática não tenha sido objeto de
muitas pesquisas, hoje, parece justo e cientificamente relevante trazê-las
e ressaltar a importância do “abrir de portas” provocado pelas pioneiras.
Assim, num espaço profissional e de poder tão importante quanto a ma-
gistratura, do qual as mulheres nunca participaram, passou a haver uma
crescente presença feminina. E quais foram/são os impactos disso para
a instituição? E para a sociedade? E para o Direito enquanto campo de
conhecimento? São questões que ainda parecem pouco discutidas, ainda
que bastante relevantes para todos/as que anseiam por uma sociedade
equitativa em termos de gênero.
O artigo não se preocupará tanto em demonstrar a factualidade
do sistema patriarcal dentro da magistratura através de dados históricos
e sociológicos, mas, narrando algumas experiências das juízas entrevis-
tadas, será possível depreendê-la. Como dito no início, seus caminhos,
ou estão muito mal contados ou nem contados estão. Assim, ainda que a
ideia de “resgate” não seja exatamente apropriada – por parecer indicar
que estamos tratando de algo que afundou –, de certa forma, o que ten-
taremos fazer aqui, através de trechos dos relatos de quatro pioneiras que
tive oportunidade de entrevistar
tête-à-tête
, é o resgate desse momen-
to social/histórico tão relevante que é a chegada das primeiras mulheres
num espaço de poder que foi historicamente capitaneado pelos homens.