

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 75, p. 193 - 206, jul. - set. 2016
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se pode lidar com eventos com possibilidade de eficiência se não se esta-
belece antes um terreno plano e reto em que essa eficiência possa, enfim,
deixar de ser potência ou atividade (Enérgon; Tätigkeit) e se transforme
em produto ou ação (Érgon; Werk). É a areia que volta a ser evocada para
o esclarecimento e o clareamento da arena, que deve ser plana e limpa.
A espada com que a imagem da Justiça se consagrou ao imaginário
coletivo se presta, entre muitas outras, a duas interpretações: trata-se do
símbolo daquele instrumento que, soerguido em meio à batalha, é ca-
paz de romper os laços que unem os litigantes, concedendo a ambas as
partes a tranquilidade de não mais ver-se enredada, de nenhuma forma,
àquele outro que lhe causara desarmonia. Trata-se, outrossim, do símbo-
lo de que o poder de quem a ergue para aquela primeira função é algo
que deve ser tão legítimo e natural, que nem mesmo o receio oriundo da
“espada de Dâmocles” (o receio mitológico que todo aquele que detém o
poder deve envergar ao estar “por um fio” da queda da espada sobre seu
trono) deve ser capaz de demover o julgador,
tertius inter partes
, de sua
função propiciadora da paz prévia (como demonstramos ser a epifunção
da Justiça), circundante (sua função enquanto há o processo, o que vem
a ser a metafunção da Justiça) e, finalmente, posterior e definitiva (o que
está no campo das funções pragmáticas – mas partícipe igualmente da
epifunção − da Justiça).
Antes de tudo, havia apenas uma “
rudis indigestaque moles
” (“ma-
téria rude e informe”), no incensado verso da
Teogonia
, de Hesíodo. Não
é com esse caos que a Justiça – tampouco a Política – sabe lidar. “De onde
as coisas partem, para aí mesmo retornam”, como diriam os pré-socráti-
cos, o que no campo geral da Justiça equivale à paz que precede & sucede
(& também deve perpassar, no processo) o objeto de disputa em meio à
Política e sua arena.
A areia do tempo deve ser fina e depurada suficientemente, para
não ser rápida a ponto de deixar escoarem levianamente detalhes impor-
tantes, nem lenta e excessivamente obstruída a ponto de exceder o limi-
te humano de tolerância aos dissabores e sofrimentos que incorrem em
uma disputa. “O processo” não pode recalcitrar na distopia excruciante
com que o descreveu Kafka. O meio jamais pode transformar-se em obs-
táculo. A espada deve ser a um só tempo abstrata e concreta, como uma
verdadeira espada do Rei Salomão, que, sem precisar partir literalmente
ao meio um bebê, fez vir à luz, por sua aplicação sábia – verbal, mas não