

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 75, p. 193 - 206, jul. - set. 2016
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entrelaçam-se e interagem. Em outras palavras, Justiça e Política não se
consolidam em ambientes estanques, porque, em vez disso, seus ambien-
tes e seus sábios necessitam frequentemente de consultas aos ambien-
tes e sábios ao redor. Não se trata, como deve ter ficado claro, de forças
“oraculares”, mas, muito ao invés disso, de forças que dialogam uma com
a outra e ambas consigo próprias. Daí provém o equilíbrio dos poderes
popular ou descritivo (Política) e jussivo ou prescritivo (Justiça).
A própria dialética de Hegel, verdadeiro tratado de anatomia da
racionalidade do dualismo (HEGEL, 1806), inscrito inexoravelmente nas
convivências, prevê que somente levando-se em consideração os fatores
concretos e reais é que a abstração da síntese promana com naturalidade.
No entanto, além de desempenhar um papel por assim dizer prag-
mático, operando na realidade dos fatos concretos, ou na concretude dos
fatos reais, como se prefira, a Justiça possui uma espécie de metafunção e,
para além dela, uma epifunção, que é a de estabelecer previamente o ter-
ritório limpo em que as avaliações e julgamentos, qualitativos ou quanti-
tativos, poderão ser corretamente aplicados. Humboldt propôs o binômio
Enérgon/Érgon (HUMBOLDT, 2004), que ele traduziu para o alemão como
“Tätigkeit”/“Werk”, que equivalem, em linguística e em epistemologia em
geral, a “Potência”/“Produto”. No plano das relações internacionais, que
têm como sujeitos os Estados ou as coletividades Políticas (que podem ser
de teor preponderantemente econômico, financeiro, diplomático etc.),
distingue-se um par que desejamos articular ao binômio humboldtiano: o
já mencionado duo “Controvérsia”/ “Tensão” (cf. LAFER, 2004). A tensão
é difusa e muitas vezes velada, enquanto a controvérsia apresenta confli-
tos de interesses específicos que se sobrepõem com clareza ao concerto
internacional. Um dos nossos exemplos derradeiros, neste ensaio, será
sobre uma questão de Justiça-Política Internacional.
Articulando-se os dois binômios, e transcendendo-os do campo das
relações externas para as relações individuais no esteio de uma socieda-
de, observa-se que a função da Justiça não é apenas solucionar de forma
objetiva controvérsias (concretas) ou tensões (difusas), o que em econo-
mia equivaleria ao binômio riscos (concretos) ou incertezas (difusas): é
promover uma harmonia prévia, que está atrelada à eficácia, em que, só
então, pode-se estabelecer a eficiência do contrato, seja ele qual for. Nes-
se sentido, a eficácia (estabilidade; Érgon; Werk; Produto) precede a efici-
ência (dinamicidade; Enérgon; Tätigkeit; Potência), na medida em que não