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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 73, p. 113 - 132, abr. - jun. 2016
Porém, é com a irradiação das regras e princípios fundamentais
que não versam sobre a matéria administrativa, que se consolida a cons-
titucionalização do direito administrativo promovendo a superação dos
paradigmas tradicionais e as mudanças no regime jurídico-administra-
tivo, adequando a relação entre Administração e Administrado à ótica
constitucional
25
.
Como é cediço, apesar da origem liberal e função de limitação do
poder estatal, o direito administrativo encontrou sua construção teóri-
ca nas decisões da jurisdição administrativa francesa, que dissociada da
atuação jurisdicional importou a sujeição da Administração à vontade
heterônoma da lei, porém, na sua imunização ao controle pelos demais
poderes públicos ou pela sociedade
26
.
Estruturou-se, portanto, a dogmática administrativa em premissas
teóricas que refletiam na tensão dialética entre a lógica da
autoridade
-
exteriorizada na continuidade e preservação das instituições - e a lógica
da
liberdade
- antevista na promoção das conquistas liberais e democráti-
cas, o instrumental normativo de manutenção da parcialidade e desigual-
dade que compunham o
status quo
27
.
Neste tocante, o regime administrativo moderno erigiu como seus
pilares fundamentais, o polissêmico conceito de
interesse público
28
com
o dogma de sua supremacia abstrata e insuperável, e a ampla margem
a transferência de sua atividade para o campo da regulação e fiscalização dos serviços delegados à iniciativa privada.
SOUTO, Marcos Juruena Villela.
Desestatização, Privatização, Concessões, Terceirizações e Regulações
. 4 ed. rev.,
atual e ampla. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 434-435.
25 Com a constitucionalização do direito e a irradiação dos direitos fundamentais, observa-se uma funcionalização
da atividade administrativa, para a efetiva, eficiente e legítima realização dos direitos das pessoas. MOREIRA NETO,
Diogo de Figueiredo.
Quatro Paradigmas do Direito Administrativo Pós Moderno: Legitimidade; Finalidade; Efici-
ência; Resultados
. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 44-45.
26 Rompe-se, portanto, com o mito do surgimento da Administração Pública pela milagrosa submissão da burocra-
cia estatal à lei e aos direitos fundamentais. O modelo administrativo francês, em que a burocracia edita suas leis e
tem sua jurisdição própria para julgá-la é a própria antítese da separação dos poderes. Sobre o tema: BINENBOJM,
Gustavo.
Uma Teoria do Direito Administrativo
: Direitos Fundamentais, Democracia e Constitucionalização. Rio de
Janeiro: Renovar, 2006.
27 Importa na consolidação de um modelo patrimonialista marcado pelo predomínio da corrupção, do nepotismo e
da ineficiência na gestão estatal. Embora na nossa realidade administrativa, ocorra a transição juspolítica do modelo
burocrático para gerencial, é possível verificar ainda resquícios deste modelo, exteriorizados na corrupção persis-
tente, nas políticas paternalistas e na ineficiência dos serviços públicos. Sobre o tema, vide: FAORO, Raymundo.
Os
Donos do Poder
. 15 ed. São Paulo: Editora Globo, 2000. FREYRE, Gilberto.
Casa-grande e Senzala
. 39 ed. Rio de
Janeiro: Record, 2000 e NUNES, Edson.
A gramática política do Brasil – clientelismo e insulamento burocrático.
Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.
28 Embora a noção de interesse público esteja ligada historicamente à própria atividade administrativa e, portanto, a
formação e desenvolvimento do regime jurídico-administrativo a concepção de “supremacia” é uma construção dou-
trinária em dada quadra histórica e por dada teoria no Direito Administrativo, Brasileiro. Sobre o tema, vide: MOURA,
Emerson Affonso da Costa.
Um Fundamento do Regime Administrativo Brasileiro
. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014.