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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 73, p. 113 - 132, abr. - jun. 2016
Por outro ângulo, com discricionariedade administrativa compreen-
de-se o espaço de liberdade decisória concedida à Administração Pública
na eleição entre os indiferentes jurídicos, inserto na esfera de atribuição
concedida pela norma jurídica e de acordo com a formulação dos juízos de
conveniência e oportunidade promovidos
37
.
Embora se adéque a necessária dinâmica da atividade administrati-
va, em um contexto de multiplicidade e complexidade das demandas so-
ciais que escapa à previsibilidade do legislador, a existência de um campo
de escolha na atuação administrativo não representa intangibilidade do
seu mérito aos limites impostos pela ordem jurídica
38
.
Existem fins esperados e exigíveis da atuação estatal, exteriorizado
na realização dos bens e interesses fundamentais da sociedade veiculados
pela Constituição, inclusive, com a definição de prioridades e dispêndio
dos recursos estatais, que vinculam os poderes públicos construindo no
espaço de sua atuação limites objetivos invioláveis
39
.
Transmuta-se, portanto, a concepção da discricionariedade ad-
ministrativa de uma ampla esfera de escolha na persecução do interes-
se público não sujeito a controle pelos poderes públicos a um campo de
ponderações proporcionais e razoáveis entre os bens e interesses consti-
tucionais, sujeito a controle exercido pelo Poder Judiciário
40
.
interesse legítimo na relação singular que se forma entre o Estado e os administrados. CASSAGNE, Juan Carlos.
Derecho Administrativo
. Tomo 3. 8. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2006, p. 25.
37 Nesta ordem, compreende o mérito administrativo os juízos formulados pela Administração Pública acerca da
conveniência, oportunidade, equidade e demais critérios utilizados na decisão administrativa que são definitivos e
inquestionáveis perante o poder Judiciário. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella.
Da Discricionariedade Administrativa.
São Paulo: Atlas, 1990, p. 92.
38 A liberdade administrativa conferida por uma norma de direito não significa liberdade de eleição entre indiferen-
tes jurídicos, mas a providência do ato capaz de atingir a finalidade da lei que terá seu campo restrito as soluções
possíveis de acordo com o caso concreto e adequadas conforme o dever de boa administração. MELLO, Celso Anto-
nio Bandeira de.
Discricionariedade e Controle Jurisdicional.
São Paulo: Malheiros, 1992, p. 44-48.
39 Há casos em que a Constituição consagra de forma explícita os fins esperados, como ocorre com a obrigatoriedade
da prestação universal da educação fundamental e medicina de urgência, de modo que condicionar sua promoção à
discricionariedade administrativa e conformação legislativa seria violação dos direitos individuais e políticos, cujo exer-
cício pressupõe a garantia mínima do bem-estar, que envolve a realização de condições econômicas e sociais básicas.
BARCELLOS, Ana Paula de. "Constitucionalização das Políticas Públicas em Matéria de Direitos Fundamentais: O Con-
trole Político-Social e o Controle Jurídico no Espaço Democrático",
in
Revista de Direito do Estado
. Ano 1. n. 3, 2006, p.
37, e MOURA, Emerson Affonso da Costa. "Do Controle Jurídico ao Controle Social das Políticas Públicas: Parâmetros a
Efetividade dos Direitos Sociais".
Revista de Direito Constitucional e Internacional
, v. 77, p. 10, 2011.
40 Neste tocante, cabe ao Poder Judiciário a correção da discricionariedade, apurando a sua conformidade com o
Direito, a racionalidade do discurso que a legitima, o atendimento ao código dos valores dominantes e a proporcio-
nalidade na correlação lógica entre motivos, meios e fins, de forma a preservar a escolha do meio menos gravoso
e proporcional aos fins a serem alcançados. CUNHA, Rubem Dário Peregrino.
A juridicização da discricionariedade
administrativa.
Salvador: Vercia, 2005, p. 168-172.