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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 72, p. 168 - 190, jan. - mar. 2016

igualdade na tutela liberal dos direitos da mulher. Apresento uma pers-

pectiva liberal na análise da questão porque as mudanças em curso estão

fundamentadas em um discurso liberal, mas também aponto as contradi-

ções inerentes à adoção desta perspectiva.

1. HÁ UMA REVOLUÇÃO EM CURSO? VIOLÊNCIA, CULTURA E PRO-

CESSO DE MUDANÇA SOCIAL

Os estudos sobre a violência de gênero têm se expandido nas últi-

mas décadas. Isso decorre de um processo de mudança social, marcado

por uma paulatina inserção da mulher na esfera pública

1

, que se desen-

volve no âmbito de uma dinâmica de “avanços e retrocessos”. De fato, não

se trata de uma história linear. Porém, em decorrência dessa inserção, –

ainda que associada a outra gama de fatores-, as mulheres começaram a

gozar de maior visibilidade social. Enquanto o privado limita a pessoa ao

anonimato, o público promove sua exposição, “situa-a” no mundo. Con-

cede-lhe visibilidade e favorece a sua politização.

Essa progressiva, mas ainda muito limitada, visibilidade social da

mulher, é um fator que contribuiu na intensificação dos estudos sobre

os efeitos da cultura patriarcal no que tange à produção e reprodução da

violência de gênero. E me refiro aqui a um conceito amplo de violência,

que abrange todas as formas de comportamento que impliquem discrimi-

nação da mulher. Quando esta, por exemplo, recebe salário inferior ao do

homem pelo exercício de uma mesma função laboral, ela é vítima de uma

agressão, de uma forma de violência que se caracteriza pela discrimina-

ção salarial

2

. E essa situação perdura, apesar de as pesquisas indicarem

que a mulher está cada vez mais inserida no mercado de trabalho

3

. Posso

1 Essa inserção ocorre de forma mais intensa a partir da segunda metade do século passado quando o trabalho

feminino não é mais exercido unicamente pelas classes mais pobres da sociedade. Em outras palavras, quando a

mulher, branca, ocidental e de classe média, possui acesso à educação, o trabalho feminino vai, paulatinamente, se

ampliando. Ademais de professoras e enfermeiras, as mulheres começam a exercer outras funções na esfera pública

que estão desvinculadas da relação de dever-cuidado inerente ao ofício do magistério e da assistência aos doentes.

2 Apenas para ilustrar cito aqui o resultado de uma pesquisa do IBGE sobre a mulher no mercado de trabalho, em

que são comparados dados do ano de 2003 com dados do ano de 2011. A pesquisa confirma a existência da citada

diferença salarial entre homens e mulheres. Cf.

http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoe-

rendimento/pme_nova/Mulher_Mercado_Trabalho_Perg_Resp_2012.pdf. Outras pesquisas sobre o mesmo tema

estão publciadas no site do IBGE.

3 A título de exemplo, indico apenas um dado sobre o referido avanço: a proporção de mulheres no mercado de

trabalho no Brasil pulou de 57% em 1992 para 62.9% em 2004 e chegou a 64,8% em 2009. Ver: José Ribeiro Soares

Guimarães (org.). "Perfil do Trabalho decente no Brasil. Um olhar sobre as unidades da federação durante a segunda

metade da década de 2000". Brasília, OIT, 2012. Existe versão online disponível em:

http://www.oit.org.br/sites/

default/files/topic/gender/pub/indicadorestdnovo_880.pdf.