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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 71, p. 159 - 186, nov. - dez. 2015

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2. A BOA-FÉ E AS RELAÇÕES EMPRESARIAIS

A boa-fé objetiva teve sua gênese no âmbito das relações comer-

ciais. Ainda no mundo romano, no contexto das negociações mercantis,

a

fides

funcionava como catalisadora do conteúdo econômico dos con-

tratos, ao impôr a observância do concreto conteúdo dos interesses pac-

tuados

14

. Mesmo com a posterior subjetivação sofrida pelo instituto da

bona fides

ao longo da Idade Média

15

, a boa-fé permaneceu no substrato

cultural alemão por meio da jurisprudência comercial, atenta à dinamici-

dade e flexibilidade do direito comercial

16

. Não é demais relembrar que a

boa-fé objetiva ingressou no direito positivo brasileiro no corpo de Código

Comercial de 1850, ainda que o dispositivo que a consagrava tenha resta-

do sem aplicação

17

.

Apesar dessa conexão histórica, é no domínio das relações entre

empresários que mais se evidencia a necessidade de aprofundamento no

estudo dos efeitos da incidência da boa-fé. Não se pode admitir que boa-

-fé seja aplicada a tais relações da mesma forma que é aos contratos de

consumo

18

. Mister compreender as peculiaridades das obrigações empre-

sariais para, então, delimitar a eficácia da boa-fé sobre elas

19

.

14 MARTINS-COSTA, Judith.

A Boa-Fé no Direito Privado

,

op. cit.

, p. 117.

15 Ibidem, p. 110.

16 Ibidem, p. 209.

17 A primeira referência legislativa à boa-fé objetiva constava do Código Comercial de 1850, que assim dispunha:

“Art. 131 - Sendo necessário interpretar as cláusulas do contrato, a interpretação, além das regras sobreditas, será

regulada sobre as seguintes bases: 1 - a inteligência simples e adequada,

que for mais conforme à boa fé

, e ao ver-

dadeiro espírito e natureza do contrato, deverá sempre prevalecer à rigorosa e restrita significação das palavras”

(grifo nosso). O preceito, que trazia a boa-fé de forma muito mais restrita do que é empregada hoje, teve aplicação

insignificante pelos tribunais, como assinalam: TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. "A Boa-Fé Objetiva"...,

op. cit.

, p. 29-30.

18 Alertando para os riscos advindos da consumerização das relações empresariais: FORGIONI, Paula A..

Teoria

Geral dos Contratos Empresariais

, 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 34.

19 Na lição de Paula Castello Miguel: “Os contratos interempresariais exigem uma visão específica, a visão empresa-

rial, para que sejam compreendidos e interpretados” (MIGUEL, Paula Castello.

Contratos entre Empresas

. São Pau-

lo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 68). A posição possui a chancela da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça,

que, ao tratar sobre a aplicação da teoria da imprevisão aos contratos empresariais, assim se manifestou: “DIREITO

EMPRESARIAL. CONTRATOS. COMPRA E VENDA DE COISA FUTURA (SOJA). TEORIA DA IMPREVISÃO. ONEROSIDADE

EXCESSIVA. INAPLICABILIDADE. 1. Contratos empresariais não devem ser tratados da mesma forma que contratos

cíveis em geral ou contratos de consumo. Nestes admite-se o dirigismo contratual. Naqueles devem prevalecer os

princípios da autonomia da vontade e da força obrigatória das avenças. 2. Direito Civil e Direito Empresarial, ainda

que ramos do Direito Privado, submetem-se a regras e princípios próprios. O fato de o Código Civil de 2002 ter

submetido os contratos cíveis e empresariais às mesmas regras gerais não significa que estes contratos sejam essen-

cialmente iguais” (STJ, 4ª T., REsp 936.741/GO, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 03.11.2011).