

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 71, p. 159 - 186, nov. - dez. 2015
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Note-se que esses dois fatores (interpretação sistemática e multi-
plicidade de
standards
de comportamento) concorrem para a delimitação
da correta eficácia da boa-fé objetiva. Destarte, confronta-se a boa-fé não
só com as demais normas que compõem o ordenamento como também
com o caso concreto, tendo em vista suas circunstâncias específicas, em
um elaborado processo de concreção da normativa adequada à situação.
Como bem sintetiza Judith Martins-Costa:
“a cláusula geral da boa-fé
não atua unidimensionalmente
,
não se configura sempre do mesmo modo, mas se articula
dinamicamente com as circunstâncias fáticas e normativas
peculiares a cada setor em que se desdobra a experiência ju-
rídica”
11
(grifo no original)
Analisando o campo no qual a relação jurídica se desenvolve, é pos-
sível constatar que certas características fáticas atraem a incidência de um
mesmo grupo de princípios. Torna-se, então, possível estudar as particu-
laridades da incidência da boa-fé objetiva nos diferentes campos norma-
tivos nos quais atua
12
; notadamente, no âmbito das relações de consumo,
das relações civis e das relações empresariais.
Não se ignora que, dentro de cada uma dessas categorias, possam
haver circunstâncias específicas que influam no processo interpretativo.
No entanto, possibilita-se, através da observação de dados usualmente
constatados no contexto de tais relações, o apontamento de diretrizes
que devem ser observadas pelo operador do direito para a correta aplica-
ção do princípio da boa-fé objetiva
13
.
Este trabalho objetiva analisar a atuação da boa-fé especificamen-
te no contexto das relações empresariais, compreendendo as particulari-
dades de sua incidência neste campo normativo, de modo a oferecer ao
intérprete alguns parâmetros que auxiliem na determinação da conduta
concretamente exigível diante das diversas situações-problemas que po-
dem surgir.
11 MARTINS-COSTA, Judith. "O Exercício Jurídico Disfuncional e os Contratos Interempresariais."
Revista do Advoga-
do
. São Paulo, ano XXVIII, n. 96, mar. 2008, p. 57.
12 A noção de campos normativos é aplicada por Judith Martins-Costa, com base na sociologia de Pierre Bordieu.
Sobre o tema, cf. MARTINS-COSTA, Judith. "Os Campos Normativos"...,
op. cit.
, p. 388-389.
13 MARTINS-COSTA, Judith. "Critérios para Aplicação do Princípio da Boa-Fé Objetiva (com ênfase nas relações
empresariais)."
In
: MARTINS-COSTA, Judith; FRADERA, Véra Jacob de Fradera (orgs.).
Estudos de Direito Privado
e Processual Civil:
em homenagem à Clóvis do Couto e Silva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 196-196.