

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 68, p. 60-79, mar. - mai. 2015
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Estado governado por um califado como foi em grande parte o Império Islâ-
mico. Pelo que se tem notícia já há proclamada uma Capital - na cidade de
Raqqa - onde, em tese, o califado será fixado. Neste particular não vamos
aqui discutir quem teria o direito de liderar esse pretenso califado que, diga-
-se de passagem,
é
criação dos sunitas, portanto, sobrevivendo não terá
lugar para os xiitas ou outros mulçumanos de nacionalidades alinhadas.
De outro giro, em referência à questão de governo interno, pelo
que vem sendo noticiado, os líderes comandam a população
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com o peso
da espada, com degolas mediáticas, execuções, imolações e outras práti-
cas medievais. Mantém um controle rígido de normas do islamismo tra-
dicional, com leitura extremamente radical em relação à crença em si,
assim como, no que se refere ao comportamento social das pessoas. O
estado de guerra santa (
jihad
) é constante. Execuções em massa de pes-
soas consideradas inimigas, ou mesmo aquelas que se negam a converter
ao islamismo, ou ainda, aqueles de interesse mediático são comuns no dia
a dia e servem para manter o controle social nas cidades conquistadas.
No que diz respeito à questão da
soberania,
a complexidade é de
igual monta. Considerando os tradicionais conceitos de soberania
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, sabe-
mos que ela possui duas áreas de expressão. A primeira interna, que pode
ser sentida nas relações que o Estado mantém com seu povo através de seu
governo. A segunda externa, que pode ser sentida nas relações que o Es-
tado mantém com os demais Estados, entes da comunidade internacional.
Quanto à primeira área, inegável o seu exercício. O sistema de co-
mando possui um duplo fundamento: a )- terror e força, com a imposição
obrigatória dos princípios e normas do califado, sob pena de tortura e
morte com execuções sumárias, tribunais de bairros, etc. b)- religiosidade
estrita e radical com a conversão obrigatória de todos aos mandamentos
da religião islâmica.
Quanto à segunda área de expressão, ou seja, no âmbito externo, a
situação não deixa de ser tão complexa quanto os demais temas já abor-
dados. Se por um prisma o movimento
jihadista
pode contar com o apoio
50 Registre-se, aqui, a diferenciação doutrinária entre povo e população. O primeiro tem caráter qualitativo, ou
seja, é a massa de pessoas que possuem entre si vínculos de valores culturais, linguísticos, religiosos, sentimento
de pátria etc. População, tem caráter quantitativo. É o somatório de pessoas que vivem em determinado território,
independentemente de suas nacionalidades de seus valores sociais, religiosos, linguísticos, etc.
51 O conceito de soberania -identificada como o poder maior de uma nação inserida no contexto de um Estado
- vem se modificando cotidianamente. A internacionalização da economia e de outras forças, os efeitos da globa-
lização, e outros fatores, vem colocando em cheque o conceito tradicional de soberania forjado por Jean Bodin na
clássica
L
es
six livres de la République
(1576).