

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 507 - 515, jan - fev. 2015
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a mais tardia entre comissões deste tipo, foi sancionada por Dilma Roussef
em novembro de 2011 e representou um ponto fundamental de inflexão na
trajetória das políticas de reparação no país: pela primeira vez o Estado brasi-
leiro assumiu responsabilidade pela investigação das circunstâncias de viola-
ções de direitos humanos cometidas durante o regime ditatorial.
A novidade veio acompanhada pela formação de um campo inte-
lectual no país – associado à própria comissão ou à militância em geral
pela verdade – afinado com os conteúdos e as perspectivas da literatura
sobre justiça de transição ou simplesmente adepto a seu repertório de
princípios. A identidade e a face pública da CNV foram moldadas grosso
modo em torno da suposição de benefício intrínseco ao conhecimento e
à revelação da verdade. A afinidade da narrativa sobre si com os modelos
de justificação razoavelmente difundidos entre outras comissões similares
não significou, contudo, mimetização da forma. O desenho institucional
da CNV – e, de um modo mais geral, das políticas de verdade no país
– é bastante inovador e se distingue do modelo bastante usual de uma
sede que opera um conjunto de escritórios locais e garante o concerto das
agendas e princípios de ação.
Com um formato enxuto, a CNV estimulou a formação de uma rede
de organizações similares em nível estadual (associadas às casas legisla-
tivas) sem, dispor, entretanto, de meios materiais ou formais para impor
sua criação e seus caminhos de ação. O mesmo movimento foi replica-
do pelas comissões estaduais, em níveis municipal, sindical e universitá-
rio, com processos de formalização legados às instâncias administrativas
competentes (câmara municipal, conselhos sindicais e universitários, res-
pectivamente). Neste circuito que hoje envolve cerca de 80 comissões da
verdade em todo o país, e possivelmente outras dezenas em gestação,
as cadeias de comando-obediência são escassas, embora as diferentes
unidades, do ponto de vista formal, sejam organizadas verticalmente. A
independência orçamentária – que na prática significa escassez material
e de infraestrutura – dá o tom da condição razoavelmente autônoma das
comissões. Esta cena de multiplicação espontânea, fragmentação e espe-
cialização de agendas constitui fenômeno inédito na história das comis-
sões da verdade no mundo.
Embora incontornáveis para o estudo da experiência política da ver-
dade no Brasil, os preceitos da justiça de transição – que inspiram o vocabu-
lário e a autoimagem das comissões e dos comitês em curso no país – têm