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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 507 - 515, jan - fev. 2015

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mos típicos da defesa de Desmond Tutu da Comissão de Verdade Sul-Afri-

cana, uma espécie de militância política do perdão. Os casos nacionais

mais contrastantes nas suas compreensões sobre a verdade – Argentina

e África do Sul – aproximam-se portanto no enunciado de suas utilidades,

sobretudo na expectativa de cura social. Parte-se da premissa comum de

que a legitimidade do novo arranjo político vincula-se à sua capacidade de

“fazer conhecer a verdade completa sobre o passado agressor”, expô-la

publicamente e enunciá-la oficialmente (ZALAQUETT, 2004, p. 6). Numa

espécie de premissa comum ao campo intelectual da justiça de transição,

o desconhecimento sobre o passado prolonga realidades sociais partidas

6

e dá vida longa ao sofrimento. A premissa de fundo é que a revelação da

vontade tem potência regeneradora. Ela é necessariamente positiva, fun-

da novos termos para a política e liberta o futuro das amarras do passado

(BORAINE, 2000; TUTU, 2000; KRITZ, 2004; MINOW, 1998, entre outros).

Ainda no campo de convergências dos diversos, além da afinida-

de motivacional – a busca pela verdade

7

– nota-se o concerto em torno

do seu tempo político [da verdade]: o momento de instalação da demo-

cracia. A consonância cronológica pode ser explicada pelo sentido de ur-

gência próprio de jovens democracias (ansiosas pela superação do legado

autoritário) e, conforme perspectiva cara a operadores e intelectuais das

transições, pela crença de que as primeiras medidas para lidar com viola-

ções passadas de direitos tendem a perdurar e configurar definitivamente

o tratamento do tema (exemplarmente manifesta em PIERSON, 2004).

As divergências no campo não produzem ruídos aos dois eixos de

afinidade, motivacional e cronológico. Elas tendem a se concentrar em

torno da definição de meios (e não de princípios) da verdade. Ou, mais

precisamente, o dissenso se estabelece sobre o caráter instrumental ou fi-

nalístico da verdade. Em forma interrogativa, os termos da questão são os

seguintes: a verdade deverá servir como meio para justiça punitiva (caso

típico dos tribunais internacionais e domésticos) ou como finalidade em

si (caso típico das comissões de verdade)? Em uma e outra formulação, a

premissa de utilidade da verdade não é objeto de dúvida.

Na nova democracia no Brasil, a questão da justiça para crimes

6 Entre as vozes dissonantes em relação a esta visão dominante, está Leigh Payne, que descreve os processos de

verdade como eventos de acirramento do conflito e confirmação de antagonismos sociais. As confissões de viola-

dores de direitos, por exemplo, encerrariam discursos de justificação das suas ações e versões pessoais do passado,

instituindo um conflito insuperável de interpretações a respeito do tempo extinto (Payne, 2008).

7 O termo verdade será mobilizado ao longo deste projeto como categoria de ação política.