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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 507 - 515, jan - fev. 2015

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passados escapou aos padrões cronológico e motivacional, e, portanto,

também fugiu ao escopo de praxe da literatura sobre justiça de transição.

Como se sabe, os governos de transição no Brasil não adotaram as chama-

das políticas de verdade. Em agosto de 1979, o último presidente militar,

João Figueiredo, sancionou a Lei da Anistia para autores de “crimes de

qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por

motivação política”. A não ser por iniciativas isoladas de grupos organiza-

dos da sociedade civil, o novo regime seguiu alheio à condição do desco-

nhecimento sobre autores e circunstâncias de crimes passados.

No Brasil, os passos na direção de uma política da verdade, afinada

com princípios da justiça de transição, tiveram lugar em contexto pós-tran-

sicional. A princípio, limitaram-se ao reconhecimento de responsabilidade

do Estado no desaparecimento de militantes políticos, desde que os paren-

tes dos supostos desaparecidos se encarregassem da produção de evidên-

cias do evento. Ao imputar o ônus da prova às partes vitimadas, supôs-se a

verdade como um objeto de interesse privado – e não público. Ao longo dos

anos 90 e princípios dos anos 2000, três novidades legais compuseram este

paradigma de passividade do Estado na produção de verdade. A primeira

delas foi a lei de criação da Comissão de Representação Externa de Busca

dos Desaparecidos Políticos, sancionada por Color de Mello em dezembro

de 1991 e extinta em dezembro de 1994, com pouca informação nova sobre

o passado repressor. A segunda novidade foi a Lei dos Mortos e Desapareci-

dos Políticos, sancionada por Fernando Henrique Cardoso em dezembro de

1995 com os objetivos de buscar corpos de desaparecidos políticos, inde-

nizar 136 famílias de pessoas vitimadas pelo regime e criar Comissão Espe-

cial de Reconhecimento dos Mortos e Desaparecidos Políticos para avaliar

alegações de desaparecimento e mortes violentas e recomendar novas in-

denizações. Por fim, a terceira novidade em tela foi a lei que determinou a

instalação da Comissão de Anistia, em novembro de 2002. Ainda em curso,

ela tem o objetivo de indenizar vítimas vivas que sofreram prejuízos profis-

sionais em razão de perseguição política. Originalmente, também se restrin-

giu às informações fornecidas por pleiteantes

8

.

O avanço em relação à abordagem caso a caso, com imputação da res-

ponsabilidade pelas provas às vítimas, aconteceu vinte e sete anos depois do

fim do regime autoritário. A lei de criação da Comissão Nacional da Verdade,

8 Esta condição original sofre alteração com a criação da Comissão Nacional da Verdade, que será abordada a se-

guir. Além das provas fornecidas pelas vítimas, o intercâmbio das duas comissões deve dar novos subsídios para a

Comissão da Anistia.