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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 516 - 525, jan - fev. 2015

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dos casos, observa Pierre Bourdieu, esses porta-vozes nada mais fazem

senão reforçar o trabalho dos

think tanks

neoliberais em favor da mercan-

tilização geral da vida e da desregulamentação das economias e dos mer-

cados.

3

São os chamados “intelectuais midiáticos”, escalados para dizer e

prescrever geralmente aquilo que serve aos interesses do grande capital

e do conservadorismo, e ao mesmo tempo para combater e desqualificar

ideias progressistas e transformadoras de realidades injustas.

Os conglomerados midiáticos mantêm ainda relações de interde-

pendência com poderes econômicos e políticos, conforme conveniências

mútuas (visibilidade pública, verbas de publicidade, patrocínios, financia-

mentos, isenções fiscais, participações acionárias, apoios em campanhas

eleitorais,

lobbies

, concessões de canais de radiodifusão, etc). Não são

neutros e isentos, como querem fazer crer; são parciais, tomam partido,

têm um lado.

Em segundo lugar, o sistema midiático demonstra desembaraço na

apropriação de diferentes léxicos para tentar colocar dentro de si todos os

léxicos, a serviço de seus objetivos particulares. Palavras que pertenciam

tradicionalmente ao léxico da esquerda foram ressignificadas no auge da

hegemonia do neoliberalismo, nos anos 1980 e 1990. Cito, de imediato,

duas: reforma e inclusão. Da noite para o dia, passaram a ser incorporadas

aos discursos dominantes e às falas autolegitimadas da mídia — falas que

se projetavam, e ainda se projetam, como vigas de sustentação do ideário

privatista. Trata-se de indiscutível apropriação do repertório progressista,

que sempre associou reformas ao imaginário da emancipação social. Isso

tem a ver com o fato de que o discurso neoliberal — que segue influente

no plano ideológico, apesar dos rotundos fracassos econômicos do neo-

liberalismo — se vale da mídia para redefinir e apossar-se de sentidos e

significados, a partir de  óticas interpretativas próprias. 

Em terceiro lugar, o sistema midiático incute e celebra a vida para

o mercado, a supremacia dos apelos consumistas, o individualismo e a

competição. A existência subordinada ao mantra da rentabilidade. A glo-

rificação do mercado consiste em apresentá-lo como o mais adequado

para traduzir anseios, como se só ele pudesse se converter em instância

de organização societária. Um discurso que nada mais faz senão realçar e

aprofundar a visão, claramente autoritária, de que o mercado é a única

esfera capaz de regular, por si mesma, a vida contemporânea. Os projetos

3 Pierre Bourdieu,

Interventions

, 1961-2001. Science sociale & action politique, Marseille, Agone, 2002, p. 447.