

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 507 - 515, jan - fev. 2015
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limites analíticos claros. As políticas de verdade no país, tardias, podem ser
pensadas de modo mais acurado como experiências de justiça pós-transi-
cional, um conceito que se anuncia na literatura internacional para tratar
sobretudo dos casos de Portugal, Espanha e Polônia, democracias consoli-
dadas que emergiram de transições negociadas e retomam hoje questões
do passado autoritário (RAIMUNDO, 2012; AGUILAR, 2008).
Paloma Aguilar e Cath Collins convergem na identificação do que
consideram ser um equívoco do senso comum sobre justiça de transição:
a premissa de que os arranjos institucionais nos períodos de transição
são necessariamente duradouros. Embora as autoras reconheçam que os
acordos de transição produzem inércia e obstáculos à transformação futu-
ra, elas afirmam que a cena democrática pode, no médio prazo, revisitar
o tema das violações passadas de direitos. Uma vez estabelecido o novo
regime, diferentes formas de agência social podem contornar as limita-
ções e ir além dos acordos da transição (AGUILAR, 2008; COLLINS, 2010).
Tal como na Espanha, os acordos de transição no Brasil não inibiram
a onda de verdade inaugurada pela CNV e acolhida por grupos da socieda-
de civil que se mesclaram a operadores locais de governos e compuseram
corpos híbridos de militância e investigação. Embora a condição fragmentá-
ria desses operadores da verdade signifique uma importante heterogenei-
dade de perspectivas, muitos deles convergem no objetivo de reinterpretar
– ou mesmo revogar – a Lei de Anistia de 1979
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. Diferentemente do tempo
em que o Estado brasileiro apenas reagia a alegações de vitimação produ-
zidas – e devidamente fundamentadas – pelas vítimas, o novo capítulo das
políticas de verdade no país inclui, por exemplo, iniciativas do Ministério
Público que podem se valer das investigações das comissões de verdade.
Na cena pós-transicional brasileira, à semelhança do que Aguilar
e Collins identificam em outros contextos nacionais, a verdade ganha,
portanto, modulação sutil – mas substantiva – em relação ao repertório
clássico da justiça de transição abordado neste artigo. Mais do que re-
curso de distinção em relação ao regime autoritário, a verdade passa a
concentrar expectativas de aprofundamento da democracia. Seus senti-
dos de urgência e pedagogia, tão típicos das justificações e narrativas de
operadores-intelectuais da justiça de transição, não são mais referidos ao
medo do retorno autoritário, mas à premência dos problemas sociais em
9 O caso Rubens Paiva é exemplar disto: o encaminhamento recente de processo judicial a respeito das circunstân-
cias de sua morte mobilizou informações produzidas pela Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro.