

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 507 - 515, jan - fev. 2015
507
Verdade e Política: Notas sobre
um Paradigma de Democracia
Contemporânea
Cristina Buarque de Hollanda
Professora adjunta do Departamento de Ciência
Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), do Programa de Pós-Graduação em História
Comparada da mesma instituição e do Programa de
Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade
Federal Fluminense (UFF).
Os contextos de transição para a democracia convivem com a in-
certeza sobre o futuro político próximo. Além da indefinição sobre os no-
vos termos da vida pública, costuma haver controvérsia e pouca clareza
a respeito do modo como serão abordados – ou mesmo se serão aborda-
dos – os casos de violência passada, ocorridos sob regimes repressores.
Nestes ambientes, as dúvidas tendem a um repertório comum: os novos
governos se dedicarão a investigar crimes e responsabilizar criminosos?
Caso positivo, considerarão leis novas ou vigentes durante o tempo de
agressão? A eventual acusação criminal incidirá sobre os operadores dire-
tos da violência ou também levará em conta suas cadeias de comando? A
investigação recairá apenas sobre operadores do Estado ou também so-
bre militantes de oposição? Qual é a forma justa de compensar vítimas ou
familiares de vítimas pela violência de que foram objeto?
No contexto pós-guerra fria, esses dilemas marcaram a experiência
das novas democracias na América Latina, no Leste Europeu, na África
e na Ásia. As respostas a eles ganharam forma em arranjos políticos di-
versos. Em fórmulas isoladas ou combinadas, a depender das condições
particulares da transição em cada país, as iniciativas de governo para lidar
com eventos de violência pretérita gravitaram em torno de um conjunto
de possibilidades: comissões de verdade, leis de anistia, expurgos admi-
nistrativos, desculpas públicas, tribunais domésticos e tribunais interna-
cionais e/ ou híbridos – com mandatos, recursos e poderes vários.