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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 507 - 515, jan - fev. 2015

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A afirmação da justiça de transição como campo de estudos é con-

temporânea à experimentação desses arranjos legais e institucionais para

lidar com o legado de regimes superados. Imbuída de um forte sentido

de urgência, a reflexão sobre modelos de justiça tendeu a ser uma pauta

incontornável para democracias jovens e incipientes lançadas ao proble-

ma de lidar com seu passado agressor. Nos últimos vinte anos, militantes,

políticos, jornalistas, gestores públicos e acadêmicos de origens discipli-

nares várias constituíram redes institucionais de fôlego, com periódicos

especializados

1

e importantes centros de estudos e militância

2

. A despeito

da diversidade de enfoques e objetos de investigação, os estudiosos da

justiça de transição tenderam a orientar-se para a ação política imediata.

A apresentação de Neil Kritz a uma das publicações seminais da

área –

Transitional Justice. How emerging democracies reckon with for-

mer regimes (

KRITZ, 2004) – ilustra bem este contorno do campo. Nela, o

autor descreve a sociologia variada dos participantes da conferência que

deu origem aos três volumes que compõem a publicação: entre nacionais

de vinte e um países emergentes de regimes repressores que enfrenta-

vam o problema comum de como lidar com o legado do passado agressor,

estavam lá “um jornalista tcheco, membros dos parlamentos lituânio e

uruguaio, um ex-presidente argentino, um filósofo húngaro, um profes-

sor de história espanhol e um membro da Corte Constitucional Búlgara”.

Segundo Kritz, apesar da diversidade de origens, estavam todos interes-

sados em averiguar como “os europeus dos países centrais e do leste e

também os ex-soviéticos que estavam emergindo do regime comunista

poderiam aprender lições úteis das transições latino-americanas da déca-

da anterior” (KRITZ, 2004, p. xix. Grifo meu).

Uma investigação preliminar a respeito do campo de estudos em

tela revela um perfil marcadamente pragmático e normativo. Mesmo os

trabalhos com vocação descritiva estão embebidos em expectativas sobre

o que é e como deve ser a administração da justiça nos casos de viola-

ções de direitos cometidas sob regimes autoritários. Além da suposição

fundamental a respeito da qualidade das transições, sempre democráti-

cas, a literatura sobre justiça de transição é notadamente atravessada por

quatro eixos expositivos e/ ou propositivos em torno do tema da verdade,

independentemente da sua forma institucional – isto é, tribunais, expur-

1 É o caso, por exemplo, do

International Journal of Transitional Justice,

editado por Oxford.

2 A exemplo do

International Center for Transitional Justice e do African Transitional Justice Research Network.