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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 453 - 458, jan - fev. 2015

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estabelecia a pena sob medida para que não houvesse prescrição. Sente-se

autorizado a isso porque sabe que conta comuma ampla base de apoio ideo-

lógica. Por isso permite-se confessar umato de vontade àmargemda lei, para

todo o país, perseguindo uma condenação como se fora um ensandecido

Javert na captura de Jean Valjean. Nesse momento desapareceu a figura do

julgador e surgiu a do inquisidor. Não queria julgar, queria condenar. Houve

outros desastres de fundamentação, como o da ministra que reconheceu

que não havia provas suficientes, mas a “literatura” permitia condenar...

Tudo isso foi possível porque existe em parte da sociedade (com

apoio aberto da grande midia) um ambiente favorável à exclusão de outra

visão do mundo que não a conservadora (mesmo que o partido alvo não

esteja aí exatamente para romper com estruturas sociais). Não um mero

combate, o que seria normal da política, mas exclusão. Esse é o ponto.

O diferente deve ser excluído e para isso vale o ordenamento jurídico do

lobo e do cordeiro, a norma que permite ao lobo jantar o cordeiro e que

pode ser qualquer uma.

Colunistas ou comentaristas políticos de direita costumam agora

utilizar o mais rasteiro e pobre dos recursos de argumentação, o argumen-

to

ad hominem

. A estratégia é desqualificar a pessoa, a história familiar,

um suposto problema do pai, da mulher, do tio, etc. As pessoas de esquer-

da são assim, gente sem valor desde a origem familiar. Subrepticiamente

afirma-se que o desvalor está na constituição genética ou foi impresso

pelo ambiente de onde vieram. A

contrario sensu

os que os combatem

são limpinhos e saudáveis. Às vezes aparece uma descarada eugenia,

como a chocante matéria de uma revista semanal que dizia que, segundo

uma pesquisa científica, pessoas altas ganham mais dinheiro. O sucesso

dependeria de uma condição biológica que em geral se desenvolve nas

camadas privilegiadas da sociedade, constituída por descendentes de eu-

ropeus, mais altos na média do que o brasileiro não branco.

O trágico episódio do Pinheirinho escancarou a violência de que

essa gente é capaz de praticar ou de apoiar. Os diferentes nunca têm os

mesmos direitos. Mais uma vez, contra eles pode-se tudo. As vidas de 6

mil pessoas foram destruídas por máquinas triturando suas casas às 5h30

de uma manhã de domingo, com o aviso prévio suficiente para tirar o

bebê do berço e correr. Contra os excluídos pode-se trair e descumprir

acordos (informara-se aos moradores que a desocupação estava suspensa

e naquela madrugada houve festejos por isso). Coisas semelhantes ocor-

riam no Judiciário alemão sob o nazismo.