

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 453 - 458, jan - fev. 2015
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O que tem isto tudo a ver com o Brasil no século XXI? O ódio à
diferença e a consequente exclusão do outro, seja pela violência pura e
simples (como a usada pela polícia contra os excluídos), seja pela tentativa
de negar direitos (entre tantos exemplos, a repulsa inacreditável ao bolsa-
-família) é fascismo, simplesmente fascismo.
Por exemplo, a inculta e selvagem classe média brasileira tem hor-
ror à diferença. Não gosta de negro, não suporta homossexual, não quer
pobres por perto a não ser para limpar suas privadas. Quando é de direita
tem ódio da esquerda. Está profundamente infeliz porque tem que dividir
aeroportos e praias com a classe “C”, pessoas quase sempre com um tom
de pele mais escuro. Em relação a outras visões do mundo, liberais ou
mais à esquerda, não tem, pois, razoáveis e democráticas divergências: a
atitude é de uma intolerância que raia o ódio ou chega propriamente ao
ódio. São a favor da pena de morte, da redução da maioridade penal,
da execução sumária de transgressores, gostam de frases como “bandi-
do bom é bandido morto” e seu ideal de polícia é tal qual o
volkisch
da
Alemanha nazista, mas isso, claro, apenas quando o réu é pobre, negro,
puta ou gay. Partidos originalmente de centro-esquerda ou, pelo menos,
liberais, cortejam agora esse ideário fascista de uma parte da sociedade.
O julgamento da AP 470 (o “mensalão”) teve a ver, em alguma me-
dida, com a rejeição do diferente e com esse “caldo de cultura”. Não se
tratou de uma questão meramente partidária ou eleitoral, embora esse
dado deva ser levado em conta. O PT não é hoje exatamente um partido
distante do “establishment”, mas estavam em jogo símbolos. O PT está
associado no imaginário social à esquerda e muitos dos seus quadros são
outsiders
em relação à elite branca universitária que sempre foi dona do
poder e sempre ganhou eleições presidenciais. Colocar seus quadros na
prisão no vislumbre de uma edição do "Jornal Nacional" em que aparece-
rão algemados será o início de uma tentativa de higienização da política.
Subliminarmente faz-se a associação de uma concepção não conservado-
ra da política ao crime.
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O STF distorceu doutrinas jurídicas, desrespeitou a própria jurispru-
dência, decidiu diversamente do que havia decidido pouquíssimo tempo an-
tes para declarar-se competente (apenas três dos trinta e sete réus teriam
foro privilegiado, e nesse caso o processo deveria ter sido remetido a outra
instância). Um ministro declarou, em sessão, ao vivo para todo o país, que
2 Este artigo foi escrito em maio de 2013, antes do final do julgamento da AP 470. Permito-me registrar que anteci-
pou rigorosamente o espetáculo das prisões de líderes do PT, em de 15 de novembro de 2013.