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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 453 - 458, jan - fev. 2015

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que a polícia fazia. Himmler informou , em março de 1937,

que a tradição do Estado mínimo estava morta, assim como

a velha ordem liberal na qual, pelo menos em teoria, a polícia

era neutra. Enquanto a velha polícia vigiava mas não interfe-

ria para cumprir agendas de seu interesse, a nova polícia, dis-

se ele, não estava mais sujeita a quaisquer restrições formais

para realizar sua missão, que incluía fazer valer a vontade da

liderança e criar e defender o tipo de ordem social que esta

desejava. Segundo Hans Frank, era impensável que a polícia

ficasse meramente restrita à manutenção da lei e da ordem.

Ele disse que esses conceitos costumavam ser considerados

neutros e livres de valores, mas, na ditadura de Hitler, ‘a neu-

tralidade filosófica não existe mais’, isto é, apoiar ou abra-

çar qualquer outra visão política a não ser o nazismo era um

crime. Para a nova polícia, a prioridade era ‘a proteção e o

avanço da comunidade do povo’, e contramedidas policiais

eram justificadas para deter toda “agitação” oposta ao povo,

que precisava ser sufocada”. A polícia podia tomar quaisquer

medidas necessárias, incluindo a invasão de lares, ‘porque

não existe mais esfera privada, na qual o indivíduo tem per-

missão para trabalhar sem ser molestado na base da vida da

comunidade nacional-socialista. A lei é aquilo que serve ao

povo, e ilegal é aquilo que o fere’

1

Nesse momento desaparece a concepção Iluminista do processo.

A polícia pode tudo. Basta entender que certa conduta é contrária ao

“povo”. Provas e procedimentos são desnecessários porque o processo é

outro: um simples juízo a cargo de uma autoridade qualquer.

Sempre que de algum modo o diferente é tratado como inimigo,

excluído do povo, desqualificado em sua humanidade, associado a desva-

lores, mau, falso, injusto por natureza, sujo, sempre que alguém procura

uniformizar o meio social como um organismo por tal método, estamos

diante de uma atitude fascista. A chave é essa: alguns são “o povo” e de-

vem ser protegidos; outros não são o povo, não tem direitos e podem ser

excluídos, seja pela violência, seja pelo direito e pelo Estado.

1 Robert Gellately,

Apoiando Hitler – Consentimento e Coerção na Alemanha Nazista

,Ed. Record, p. 79/80.