

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 411 - 418, jan - fev. 2015
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indiferente para o exercício da função de julgar. A legislação portuguesa
foi sempre parca em prescrições sobre a organização do espaço judiciário.
A Novíssima Reforma Judiciária de 1841 (a grande reforma judiciária libe-
ral) dizia apenas que o lugar dos «espectadores» deveria ser separado do
recinto destinado ao tribunal por uma «gradaria» ou «teia» (art. 481º).
Os diversos Estatutos Judiciários do Estado Novo eram mais explícitos:
os juízes e os magistrados do ministério público situar-se-iam no mesmo
plano, o ministério público em assento separado e à direita dos juízes; os
advogados, os assistentes técnicos e os solicitadores estariam colocados
«a seguir» (fórmula eufemística para dizer: «em plano inferior»); os fun-
cionários judiciais ficariam em frente da tribuna dos juízes (obviamente
em plano inferior); nada se diz sobre o lugar do réu e dos restantes inter-
venientes; apenas se indica que na
teia
(recinto reservado para o tribunal)
tomam também lugar os intervenientes no acto judicial (arts. 100º e 101º
do Estatuto Judiciário de 1962).
As notas de encomenda de projectos de edifícios são ainda mais ex-
plícitas da ideologia oficial. Podemos sintetizá-la da seguinte forma: sepa-
ração da sala em duas zonas, uma para o público, a outra para o tribunal
e restantes intervenientes processuais; diferenciação de planos entre o
tribunal e o ministério público, por um lado, e os advogados, por outro, e
ainda entre a bancada destes e o pavimento da sala; confinamento do réu
dentro de uma «teia» (o «banco dos réus»).
Esta hierarquia de planos, discriminando a defesa em benefício
da acusação, e o enclausuramento do réu no seu «banco» exprimem em
toda a sua crueza (ou crueldade) quer o autoritarismo da cena e do acto,
quer o pré-juízo de culpabilidade que envolve o réu, «degradado» a uma
posição cénica humilhante de «pré-condenado», malgrado ainda gozar da
presunção de inocência.
Esta sala de audiências concebida pelo Estado Novo não sofreu al-
teração com a instauração da democracia, nem mesmo com a reforma
processual que pretendeu introduzir um processo de tipo acusatório.
Na verdade, o legislador do Código de Processo Penal de 1987, que
consagrou um processo basicamente acusatório, também não se preo-
cupou em dar indicações sobre a sala de audiências. Diferentemente, o
legislador italiano teve o cuidado de, no “código de execução” do Código
de Processo Penal de 1988, que estabeleceu uma reforma de tipo idêntico
à portuguesa, inscrever a seguinte norma: “Nas salas de audiências de jul-