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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 411 - 418, jan - fev. 2015

411

Para a Democratização da Sala

de Audiências

Eduardo Maia Costa

Juiz do Supremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Todo o espaço do tribunal (o «palácio da justiça») é marcado por

sinais reveladores de uma cultura autoritária. A justiça é enquadrada em

espaços e encenada com signos que a conotam com a autoridade e a ma-

nutenção da ordem, em detrimento dos valores da equidade ou da paz ju-

rídica. O tribunal é concebido não tanto como o lugar onde se administra

justiça, se exerce a tutela judiciária, antes como aquele onde se impõe a

ordem e a autoridade, onde se exerce o poder na sua elementar crueza.

Essa afirmação severa do

jus imperium

é congruente com uma cul-

tura autoritária, mas não com uma cultura democrática, pois, para esta, a

autoridade do Estado é apenas um

instrumento

de salvaguarda dos valo-

res e das instituições democráticas, sempre sujeita às limitações impostas

pelo princípio da proporcionalidade, e jamais um valor em si.

Mas, na perspectiva autoritária, o espaço judiciário, o palácio da

justiça, é concebido, nas suas diversas vertentes (enquadramento urba-

nístico, arquitectura, divisão interior dos espaços, decoração, etc.), como

instrumento de glorificação da magnificência do poder punitivo do Es-

tado, de alguma forma antecipação do “juízo final”, dirigido não só aos

arguidos, às partes, aos “utentes” da justiça, mas a todos indiscriminada-

mente, à própria colectividade no seu conjunto.

No projecto ideal, corporizado pelo palácio da justiça típico do Esta-

do Novo

1

(de notória influência mussoliniana), o edifício do tribunal surge

destacado no espaço urbanístico em que se insere, geralmente uma praça

(tendencialmente a praça principal da urbe), foco de atracção visual de

quem passa. Exteriormente, tem aspecto sólido, maciço, imponente, em

que o peristilo imprime a marca dos templos antigos: majestade e sacra-

lidade do poder nele exercido. Mas outros sinais se evidenciam, como a

1 Regime ditatorial que vigorou em Portugal entre 1926 e 1974, derrubado por um golpe militar que restaurou a

democracia em 25 de abril de 1974.