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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 411 - 418, jan - fev. 2015

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“hierarquia” de planos, que obriga a que se suba necessariamente para

chegar ao tribunal (escada exterior ou, não a havendo, interior), e sobre-

tudo a colocação de esculturas ou painéis exteriores de aspecto marca-

damente

guerreiro

, como guardas da fortaleza (alegorias da justiça com a

espada na mão e feroz catadura - Thémis), que infundem uma imagem do

poder judicial como um poder distante, implacável, inflexível, feito a uma

escala diferente e superior à das pessoas que a ela vão ser submetidas.

É este o palácio da justiça do Estado Novo, que podemos observar por

todo o País, em escala maior (o exemplo mais flagrante, de certo modo

o

arquétipo

, é o Palácio da Justiça do Porto) ou menor (por exemplo, o

Palácio da Justiça da Póvoa de Varzim, síntese reduzida da mesma concep-

ção). Após o 25 de Abril, a arquitectura judiciária diversificou-se, deixando

de existir um modelo unitário de palácio da justiça, embora algumas das

características apontadas atrás persistam em manifestar-se aqui e além.

A sala de audiências é, de todo o espaço judiciário, naturalmente o

segmento mais marcado pela influência dessa visão autoritária da justiça,

pois é o lugar central do exercício do poder. Aí, a arquitectura, a decoração

da sala e a própria ritualização dos actos, serão elementos importantes da

administração de uma justiça autoritária: na distribuição dos espaços, com

a desigualdade de planos entre acusação e defesa, e a “humilhação” do acu-

sado no “banco dos réus”; na decoração, com a representação de cenas de

batalhas e outras cenas históricas quase sempre de conteúdo intimidatório,

viradas que estão “para baixo”, e também de alegorias

ferozes

da justiça.

Em síntese: a sala de audiências dos nossos tribunais está concebi-

da como um espaço de intimidação pessoal do acusado e onde existe um

desequilíbrio notório em desfavor da defesa relativamente à parte contrá-

ria, o ministério público. A sala de audiências condensa toda uma concep-

ção que nos orienta desde a porta do palácio da justiça: a da justiça/Thé-

mis, a justiça cega e guerreira, a justiça que acima de tudo quer infundir

respeito e temor a todos indistintamente, e não apenas julgar e proteger

quem a procura em demanda da palavra justa que restaure a paz jurídica.

E se o 25 de Abril de 1974 modificou a arquitectura judiciária, no-

meadamente o seu exterior, já quanto à sala de audiências não se pode

dizer que tenha trazido qualquer alteração significativa relativamente ao

modelo anterior.

Lamentavelmente pouca atenção se tem prestado a este tema,

como se a cena judiciária, o espaço em que se administra a justiça, fosse