

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 378 - 408, jan - fev. 2015
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portanto, se configuraria como uma “técnica essencial de controle sobre
o uso que o juiz faz de seus poderes”
36
. Aqui o processualista italiano inau-
gura uma curiosa e peculiar anomalia jurídica: o contraditório entre as
partes e o próprio magistrado encarregado de garantir o contraditório!
É claro novamente que a perspectiva racionalista de Taruffo lhe permite
compreender o juiz como alguém para além da ideologia, o que como já
mencionado, é igualmente ideológico por excelência.
Notadamente, o grande problema que exsurge desta variação epis-
têmica do contraditório é a sua funcionalização, a sua modalização, que
incrusta o princípio nas funções latentes ou mesmo expressas do siste-
ma. Com efeito, perde relativamente a sua estrutura contrassistemática
(o princípio pensado como condicionante epistemológica fora dos me-
canismos institucionais) e adquire uma função endoprocessual (se os
sistemas forem pensados como o conjunto de suas próprias operações,
que compreendem igualmente aquelas aprioristicamente tomadas como
normativamente inválidas
37
”); b) ainda do ponto de vista normativo, um
pós-acusatorialismo processual penal é refém da própria transformação
no campo processual, que abandona paulatinamente o universo teórico-
-abstrato de suas categorias e se volta para a procedimentalização de
suas tarefas e finalidades. Em primeiro lugar, essa orientação teleológico-
-funcional, parcialmente descrita no item anterior, modifica a base das
situações jurídicas componentes da base do processo. Se, por um lado,
nos estudos de processualística comparada torna-se necessário recusar
determinadas categorias, sob pena de a heterogeneidade dos discursos
impossibilitar a construção de ferramentas heurísticas, por outro, a sua
tradução em plataformas político-criminais edifica uma espécie de de-
sestruturação sistematicamente organizada de conceitos-chave, fazendo
da ciência processual um mero apanhado de comentários sobre o fun-
cionamento do sistema. No Brasil, identifica-se claramente o fenômeno.
Além da despreocupação para com os já referidos sistemas acusatório e
inquisitório, as teorias da ação, da jurisdição, são praticamente despreza-
das pela doutrina especializada. Simples problemas de redução de custos
36 TARUFFO, Michele.
Uma Simples Verdade:
o juiz e a construção dos fatos. São Paulo: Marcial Pons, 2012, p. 205.
37 Deve-se ter atenção que se o sistema processual penal, nesta versão funcionalizada, constitui-se como o conjunto
integral de todas as operações sistêmicas, evidentemente que abarca o complexo de todas as decisões ilegais, reme-
tendo o princípio do contraditório ao cerne de uma vasta rede de atributos reflexivos do sistema. A partir de então,
não se torna de todo impensável que o contraditório se transforme, no âmbito da performance do sistema, em uma
iníqua ferramenta que aponta para uma melhoria da funcionalidade sistêmica. A sua absorção pelo conjunto das
operações o transmuta numa engrenagem perversa do sistema penal.