

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 378 - 408, jan - fev. 2015
397
das edições? Evidentemente que não. Nesses mesmos manuais o critério
identificador para o estudo de certas questões é medido pelo posiciona-
mento dos tribunais superiores. Novamente, essa procedimentalização
do discurso processual penal deve ser lida como o refluxo contemporâneo
de um retorno ao neobartolismo.
Evidentemente que as duas questões antepostas como questões
problemáticas a produzirem efeitos no campo normativo não esgotam a
discussão a respeito de um processo “pós-acusatório”. Coexistem, ao lado
dos problemas essencialmente normativos, graves déficits epistemológi-
cos. O primeiro deles é a subordinação do processo penal e suas cate-
gorias a um universo regido pela linearidade temporal, por uma forma
neodarwiniana de identificar uma melhoria sistêmica com o abandono
das categorias clássicas. Essa redução das categorias processuais àquilo
que elas representam para a funcionalidade de um determinado modelo
jurídico ou político (notadamente a democracia), faz tábula rasa do pas-
sado e das variações sociopolíticas que elas assumiram em certo período,
para se satisfazer com a sua aderência a um determinado regime (seja
político, histórico ou jurídico). É claro que o impacto político trazido pelas
mutações das categorias acusatório e inquisitório é escamoteado como
um “ornamento histórico-cultural”, incapaz de fazer sentido na con-
temporaneidade. Resultado: a produção de categorias pretensamente
atemporais, a inaugurar um marco zero de significação, sabidamente
impossível porque inscritas em determinada tradição. Se evidentemen-
te a tradição implica que as categorias pertençam a um determinado
universo sígnico, a tentativa de reduzi-las à expressão de um presen-
te sempre diferido introduz o risco do paralelismo histórico: categorias
sem passado arregimentam, em linha de contínua ambiência, o futuro do
que já passou. Mais do que anacrônico, estabelecer que um sistema pós-
-acusatório sobreviva à custa das categorias de um sistema absolutamen-
te imprestável é distópico: a uma, por pretender que o passado-futuro
seja imune a si mesmo; a duas, pelo fato de que as interferências políticas
sobre o processo penal dependem, em franco regime de assimetria, de
produção de temporalidade, não bastando um mero compósito mono-
nuclear presentificado. Num segundo aspecto, epistemologicamente não
é possível, com sucesso, sustentar-se um processo penal pós-acusatório
dada uma bilateral incompreensão a respeito de dois eixos nos quais se
move o processo penal: a) o sistema acusatório ou inquisitório não pode