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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 378 - 408, jan - fev. 2015

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das edições? Evidentemente que não. Nesses mesmos manuais o critério

identificador para o estudo de certas questões é medido pelo posiciona-

mento dos tribunais superiores. Novamente, essa procedimentalização

do discurso processual penal deve ser lida como o refluxo contemporâneo

de um retorno ao neobartolismo.

Evidentemente que as duas questões antepostas como questões

problemáticas a produzirem efeitos no campo normativo não esgotam a

discussão a respeito de um processo “pós-acusatório”. Coexistem, ao lado

dos problemas essencialmente normativos, graves déficits epistemológi-

cos. O primeiro deles é a subordinação do processo penal e suas cate-

gorias a um universo regido pela linearidade temporal, por uma forma

neodarwiniana de identificar uma melhoria sistêmica com o abandono

das categorias clássicas. Essa redução das categorias processuais àquilo

que elas representam para a funcionalidade de um determinado modelo

jurídico ou político (notadamente a democracia), faz tábula rasa do pas-

sado e das variações sociopolíticas que elas assumiram em certo período,

para se satisfazer com a sua aderência a um determinado regime (seja

político, histórico ou jurídico). É claro que o impacto político trazido pelas

mutações das categorias acusatório e inquisitório é escamoteado como

um “ornamento histórico-cultural”, incapaz de fazer sentido na con-

temporaneidade. Resultado: a produção de categorias pretensamente

atemporais, a inaugurar um marco zero de significação, sabidamente

impossível porque inscritas em determinada tradição. Se evidentemen-

te a tradição implica que as categorias pertençam a um determinado

universo sígnico, a tentativa de reduzi-las à expressão de um presen-

te sempre diferido introduz o risco do paralelismo histórico: categorias

sem passado arregimentam, em linha de contínua ambiência, o futuro do

que já passou. Mais do que anacrônico, estabelecer que um sistema pós-

-acusatório sobreviva à custa das categorias de um sistema absolutamen-

te imprestável é distópico: a uma, por pretender que o passado-futuro

seja imune a si mesmo; a duas, pelo fato de que as interferências políticas

sobre o processo penal dependem, em franco regime de assimetria, de

produção de temporalidade, não bastando um mero compósito mono-

nuclear presentificado. Num segundo aspecto, epistemologicamente não

é possível, com sucesso, sustentar-se um processo penal pós-acusatório

dada uma bilateral incompreensão a respeito de dois eixos nos quais se

move o processo penal: a) o sistema acusatório ou inquisitório não pode