

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 378 - 408, jan - fev. 2015
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a possibilidade intercambiável entre as formas de autoridade e aquelas
processuais, por que valeria a pena lutar por determinado modelo de pro-
cesso penal? Igualmente, se há uma penetrabilidade recíproca entre os
regimes políticos e as expressões que assumem os processos em determi-
nada contexto, evidentemente pareceria correta a constatação de Taruffo
de que o princípio dispositivo, que se apresenta como elemento impor-
tante do sistema acusatório, segundo a doutrina especializada, não teria
relação alguma com a conformação democrática do Estado. Taruffo refu-
ta a interpenetração entre princípio dispositivo e democracia a partir de
dois argumentos. O primeiro, denominado de histórico-comparatista, que
sustenta que apesar da previsão de poderes instrutórios do magistrado
em inúmeros países, eles não se transformaram em Estados autoritários
e antidemocráticos (cita aqui França, Alemanha, Inglaterra e Estados Uni-
dos). O segundo, chamado de sistemático, de que a existência de poderes
instrutórios do magistrado não incide sobre o princípio dispositivo, sobre
o direito à prova e sobre o princípio do contraditório
32
. O desbastamento
das relações entre processo e política, ou ainda, uma teoria fraca destas
relações (como no caso de Damaska) permite que considerações como as
de Taruffo possam encontrar fértil campo para florescimento. É lógico que
as premissas das quais parte Taruffo são epistemológica e politicamen-
te pobres, que somente podem se apresentar a partir de uma abstração
temporal dos próprios Estados tomados como paradigma, sem contar - o
que a nosso juízo é cristalino – com um consenso sobre uma democracia
exclusivamente consensual, o que é inclusive uma postura autoritária
33
.
Entretanto, para não alargar essa questão que é exclusivamente lateral
e acessória, o exemplo é tomado tão somente para que a construção de
modelos exclusivamente heurísticos não seja uma válvula de escape para
a defesa de práticas punitivas autoritárias politicamente neutralizadas.
A tentativa de romper com as categorias clássicas se mostra, nova-
mente, no esteio do pensamento de Zizek, como uma tentativa de saltar
para fora da ideologia. Nesse aspecto, portanto, é que a tentativa de se
pensar, por exemplo, em um sistema pós-adversarial
34
ou pós-acusatório
se constitui como uma tentativa desesperada de escapar do excesso sistê-
32 TARUFFO, Michele.
Uma Simples Verdade:
o juiz e a construção dos fatos. São Paulo: Marcial Pons, 2012, p. 207.
33 Cf. CUNHA MARTINS, Rui.
A Hora dos Cadáveres Adiados
: corrupção, expectativa e processo penal. São Paulo:
Atlas, 2013.
34 Cf FREIBERG, Arie.
"Post-adversarial and Post-inquisitorial Justice: transcending traditional penological para-
digms". In
European Journal of Criminology,
v. 8. n. 88, 2011, p. 82-101.