Background Image
Previous Page  391 / 590 Next Page
Basic version Information
Show Menu
Previous Page 391 / 590 Next Page
Page Background

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 378 - 408, jan - fev. 2015

391

enunciação e o próprio enunciado, cristalizando, consolidando uma esté-

tica na qual o próprio sujeito passa a ser capturado pelo objeto. Melhor:

seduzido pelo objeto! Eis como a moral é investida de um potencial caté-

xico da imoralidade, como o humano é impelido a uma compulsão pelo

inumano, como a ideologia é fomentada já não por uma anti-ideologia

(lembrando que o pensamento dito pós-ideológico caracteriza essa sedi-

mentação do “saber”, da ilusão, esquecendo-se do “fazer”), mas por uma

ideologia de segundo grau, que lhe transmite uma aparência de realidade

ao que não é mais real. O locus da crítica à ideologia permitiria, por con-

venção, como forma inessencial ao sujeito-suposto-saber, uma espécie

de transcendentalismo, de acesso privilegiado à desilusão das formas. De

toda a sorte, a crítica da ideologia, nesse sentido de falsa consciência, não

seria a mais sublime captura do sujeito na própria ideologia? Nas palavras

de Zizek, “a lição teórica a ser extraída disso é que o conceito de ideolo-

gia deve ser desvinculado da problemática “representativista”: a ideologia

nada tem a ver com a “ilusão”

24

. Em outras palavras, trata-se de como

ocorre a substituição da ideologia pela fantasia ideológica. De acordo com

Zizek, a ideologia não é uma construção do imaginário coletivo ou algo

que sirva como um adorno desta realidade sociopolítica. O funcionamen-

to sintomal da ideologia permanece do lado do saber, ao passo que a fan-

tasia ideológica se apresenta como uma ilusão, um erro, que estruturaria

a própria realidade

25

. Tratar-se-ia de uma espécie de servidão voluntária,

de como a fantasia ideológica opera a partir de um “sabemos que é uma

ilusão, mas mesmo assim a queremos”. A ideologia trabalha a partir da

constatação de que desejamos que as coisas sejam assim, em virtude da

inexistência de outra alternativa.

Esse caminho percorrido por Zizek a fim de identificar uma forma

espectral da ideologia remete ao problema identificado por Lacan acerca

do Real. No Real não falta nada. Toda falta, todo excesso, já é operador

do simbólico. Doravante, porquanto não há um “fora” do Real que não

prometa e que não se ofereça como um espectro, iniludível, a compor

a zona transfronteiriça entre a realidade (sempre simbolizada) e o Real.

O rastro é inapagável assim como a simbolização restitui, por assim di-

zer, aquela pujança e plenitude do Real. Se tomarmos em consideração o

ensaio de Derrida

26

a respeito de Marx veremos que justamente se apre-

24 ZIZEK, Slavoj. "O Espectro da Ideologia".

In

_______.

UmMapa da Ideologia

. São Paulo: Contraponto, 1996. p. 12.

25 ZIZEK, Slavoj.

Eles Não Sabem o Que Fazem

: o sublime objeto da ideologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990. p. 63.

26 DERRIDA, Jacques.

Espectros de Marx.

Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.