

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 378 - 408, jan - fev. 2015
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enunciação e o próprio enunciado, cristalizando, consolidando uma esté-
tica na qual o próprio sujeito passa a ser capturado pelo objeto. Melhor:
seduzido pelo objeto! Eis como a moral é investida de um potencial caté-
xico da imoralidade, como o humano é impelido a uma compulsão pelo
inumano, como a ideologia é fomentada já não por uma anti-ideologia
(lembrando que o pensamento dito pós-ideológico caracteriza essa sedi-
mentação do “saber”, da ilusão, esquecendo-se do “fazer”), mas por uma
ideologia de segundo grau, que lhe transmite uma aparência de realidade
ao que não é mais real. O locus da crítica à ideologia permitiria, por con-
venção, como forma inessencial ao sujeito-suposto-saber, uma espécie
de transcendentalismo, de acesso privilegiado à desilusão das formas. De
toda a sorte, a crítica da ideologia, nesse sentido de falsa consciência, não
seria a mais sublime captura do sujeito na própria ideologia? Nas palavras
de Zizek, “a lição teórica a ser extraída disso é que o conceito de ideolo-
gia deve ser desvinculado da problemática “representativista”: a ideologia
nada tem a ver com a “ilusão”
24
. Em outras palavras, trata-se de como
ocorre a substituição da ideologia pela fantasia ideológica. De acordo com
Zizek, a ideologia não é uma construção do imaginário coletivo ou algo
que sirva como um adorno desta realidade sociopolítica. O funcionamen-
to sintomal da ideologia permanece do lado do saber, ao passo que a fan-
tasia ideológica se apresenta como uma ilusão, um erro, que estruturaria
a própria realidade
25
. Tratar-se-ia de uma espécie de servidão voluntária,
de como a fantasia ideológica opera a partir de um “sabemos que é uma
ilusão, mas mesmo assim a queremos”. A ideologia trabalha a partir da
constatação de que desejamos que as coisas sejam assim, em virtude da
inexistência de outra alternativa.
Esse caminho percorrido por Zizek a fim de identificar uma forma
espectral da ideologia remete ao problema identificado por Lacan acerca
do Real. No Real não falta nada. Toda falta, todo excesso, já é operador
do simbólico. Doravante, porquanto não há um “fora” do Real que não
prometa e que não se ofereça como um espectro, iniludível, a compor
a zona transfronteiriça entre a realidade (sempre simbolizada) e o Real.
O rastro é inapagável assim como a simbolização restitui, por assim di-
zer, aquela pujança e plenitude do Real. Se tomarmos em consideração o
ensaio de Derrida
26
a respeito de Marx veremos que justamente se apre-
24 ZIZEK, Slavoj. "O Espectro da Ideologia".
In
_______.
UmMapa da Ideologia
. São Paulo: Contraponto, 1996. p. 12.
25 ZIZEK, Slavoj.
Eles Não Sabem o Que Fazem
: o sublime objeto da ideologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990. p. 63.
26 DERRIDA, Jacques.
Espectros de Marx.
Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.