

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 356 - 375, jan - fev. 2015
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der a questão criminal pecou por ser completamente estapafúrdio (como
foi o caso do positivismo criminológico) ou extremamente raso (como é o
caso da teoria da anomia durkheimiana).
III – A CRIMINOLOGIA CRÍTICA CONSOLIDADA E A ATUALIDADE DO
PENSAMENTO MARXIANO
Essa nova criminologia,
que não teme dizer seu nome
, se consolida
quando Alessandro Baratta (1933-2002) publica sua obra-prima intitula-
da
Criminologia crítica e crítica do direito penal
, em 1982. O jurista e
sociólogo italiano, de forma portentosa, “passeia” pelos discursos crimi-
nológicos que vão desde Beccaria até os de seu tempo. Baratta aponta que
a atenção da criminologia crítica deve se voltar para os
processos de cri-
minalização
, que apontam para um direito penal extremamente seletivo e
desigual. Nesse sentido, é sempre importante nos remetermos ao brilhante
tratado de direito penal de Nilo Batista e Eugênio Raúl Zaffaroni, que defi-
nem, de forma magistral, a criminalização em “primária” e “secundária”:
“Criminalização primária é o ato e o efeito de sancionar uma
lei penal material que incrimina ou permite a punição de cer-
tas pessoas. (...) Em geral, são as agências políticas (parla-
mentos, executivos) que exercem a criminalização primária,
ao passo que o programa por elas estabelecido deve ser rea-
lizado pelas agências de criminalização secundária (policiais,
promotores, advogados, juízes, agentes penitenciários). (...)
a criminalização secundária é a ação punitiva exercida sobre
pessoas concretas, que acontece quando as agências po-
liciais detectam uma pessoa que supõe-se tenha praticado
certo ato criminalizado primariamente.”
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Quando falamos de criminalização secundária é fundamental com-
preendermos que a forma pela qual ela se opera é extremamente seletiva
(como, por sinal, sempre foi). O afã punitivo causou na maior parte das
sociedades capitalistas um fetichismo cada vez maior pela pena. Os movi-
mentos de
Law and order
, tolerância zero, direito penal máximo etc., são
a materialização desse fetichismo. As agências penais responsáveis pelo
processo de criminalização secundária operam a seletivização. Nos mol-
des de uma sociedade de classes, evidentemente, não é a classe dominan-
te que será o alvo desse processo. Tratamos aqui, sem dúvida alguma, da
37 BATISTA, Nilo; e ZAFFARONI, E. R.
Direito penal brasileiro – I.
Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 43.