

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 330 - 339, jan - fev. 2015
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É importante que se diga, que se
brade
: não há que se sopesar o
direito à ‘
liberdade de expressão’
do fascista contra a visível ofensa que
ele propõe. A cantilena
racista
ou a discriminação de
gênero
,
classe so-
cial
ou opção
sexual
não tem na dor que causam qualquer contrapartida
de
‘liberdade’
por parte do causador. Não há compensação de ‘direitos’,
porque
nós
, a Constituição,
escolhemos
que em um desses lados há um
di-
reito
e em outro há a conduta que justamente não está nem esteve jamais
ancorada em legitimidade alguma.
É necessário que se afirme, que se exiba: quesitos como a
presun-
ção de inocência
frente ao operador jurídico (e sobretudo frente ao
réu
)
se justificam não na literalidade
banal
de se dizer que uma pessoa só ga-
nha
status
jurídico de ‘condenado’ quando assim o for – e sim, visualizar o
princípio
constitucional como um todo, percebendo que ao juiz não cabe
equalizar
a situação jurídica ali exposta, senão que
defender
a
liberdade
(material e literal do acusado)
9
, até que o andar processual
autorize
ele a
dispor dela para passar a aceitar a versão acusatória como a mais coerente.
É
obrigatório
admitir: o igualitarismo extremado e atávico (e as
aporias em relação aos conceitos ‘meritocráticos’ que se espelham no li-
beralismo conceitual para criar uma miscelânea que muito tem de
apar-
theid,
e pouco de Stuart Mill) é um sinal deprimente de que certos reacio-
narismos sequer possuem o ímpeto para vestir seus próprios símbolos e
desfraldar com orgulho sua própria bandeira.
Contra o fanatismo da
homeostase
, contra o enfadonho
medianis-
mo
dos operadores-jurídicos-
médios
, contra essa ‘fascistização’ disfarça-
da de ode à prudência, só restam doses cada vez mais cavalares de
pro-
posição
tal uma chaga exposta (
veias abertas
), vozes cada vez mais altas
que não escondem sua ideologia, e uma defesa cada vez mais veemente
de uma
democracia
10
que ousa – nem pode deixar de ousar – em dizer seu
nome, admitir seu cheiro e enxergar sua cor.
9 “A presunção em sentido técnico define-se como sendo o mecanismo através do qual, a partir de um facto conhe-
cido, se aceita um outro, desconhecido, sem que haja necessidade de recorrer a qualquer meio de prova. Há, na
presunção, um fundamento lógico que repousa na ideia da probabilidade racional de que venha acontecer o facto
presumido, uma vez ratificado o facto real”. VILELA, Alexandra.
Considerações acerca da Presunção de Inocência em
Direito Processual Penal.
Reimpressão. Coimbra: Coimbra Editora, 2005, p. 81.
10 “Por fim, há que lutar para a inclusão em nossa Carta Magna de preceito expresso no sentido da responsabiliza-
ção funcional e pessoal daqueles que, mercê do cargo que ocupam, incluindo-se aí os magistrados, por dolo ou desí-
dia, deixam de envolver-se no respeito e aprimoramento dos valores éticos, em especial aqueles contemplados sob
a rubrica de direitos humanos fundamentais, razão primeira de ser do próprio Judiciário, impedindo-se de continuar
na magistratura quem reiteradamente descumpra os preceitos constitucionais que, no ato de posse, jurou cumprir e
fazer respeitar (...) Ou o Judiciário se capacita disso, ou não terá razão nenhuma para existir, como Poder”. SUANNES,
Adauto.
Os fundamentos éticos do devido processo penal
. 2 ed., revista e atualizada. São Paulo: RT, 2004, p. 406.