

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 330 - 339, jan - fev. 2015
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(sic.) opositores como se (1) a tarefa cívica primordial fosse bloquear a ên-
fase em alguma coisa e neutralizar tentativas similares e, (2) como se termos
como
isonomia
,
democracia
ou ‘
direito ao contraditório’
fossem capazes de,
simplesmente, colocar panos quentes e tranquilizar todo tipo de demanda e
assim, logicamente, manter tudo na (suposta) santa paz em que se encontra.
Nada mal em um país onde um magistrado pode excepcionar sua
própria atuação em nome da
verdade
e onde se discute ‘
liberdade de ex-
pressão’
e os eventuais ‘
direitos’
do fascista ao proferir fascismos. Onde
a conceitual ‘ditadura do
politicamente correto’
causa mais perturbação
do que os ranços ditatoriais reais que ainda persistem, batizados em uma
anedota triste como
ditabranda
por alguns festejados.
Nesse mister, surgem, das trevas, das moitas, defensores dos su-
postos ‘direitos’ afetados pela guinada em prol de algum sentido ou de
alguma postura e se reativa a ideia de que o debate jurídico é um debate
infinito, onde é proibido assumir uma escolha ou lado e de que os pila-
res constitucionais foram feitos para que se mantenha uma estabilidade
imutável onde os acontecimentos (e as ideologias, e as propostas, e as
tentativas de mudança e/ou evolução) entrem em
greve
.
O operador-jurídico-
médio
da nossa era entra em
parafuso
ao per-
ceber que a condução
imparcial
de uma decisão jurídica e os princípios
democrático-constitucionais nada tem de essencialmente antagônicos
com a ideia de fazer escolhas, definir estratégias, optar por vieses políti-
cos e, enfim, preferir (e
defender
) uma(s) coisa(s) a outra(s). Neutralidade
e
imparcialidade
não são duas faces da mesma moeda – e há tempo já
sabemos bem disso
7
. Para ele, o representante da
homeostase,
o impor-
tante é sempre buscar achar brechas – por mais insignificantes em relação
ao objeto principal que sejam – e se regozijar enquanto tenta barrar qual-
quer alteração no curso das coisas
como-elas-são
, como se houvesse uma
espécie de maldição para quem fosse além do
bojador
8
.
Arrisco-me a dizer, em verdade, que o operador-jurídico-
médio
é uma
espécie de paladino fiel à própria
lógica jurídica
do nosso tempo, como um
todo, tributária de umconceito errôneo de
prudência
que significa
estagnação
.
7 DIVAN, Gabriel Antinolfi.
Decisão Judicial nos Crimes Sexuais. O julgador e o réu interior.
Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2009, p. 51 e seguintes.
8 “O direito, hoje dominante, atua, em nossa vida social, como um verdadeiro freio às transformações sociais que
parecem indispensáveis. E esse efeito provém não apenas de um procedimento de formulação de normas carentes
de flexibilidade; cindindo em diferentes tendências e aspirações, porém com clara preponderância de suas estruturas
mais tradicionais; profuso até tornar quase impossível seu cabal conhecimento; defeituoso, na forma; vastamente
manipulado, nas teorias fundantes e na inspiração de seu conteúdo; avassalado por concepções ideológicas reacioná-
rias, em tudo o que concerne a suas regras de mais efetiva e frequente aplicação, e transformado em instrumento de
sacralização de graves distorções do funcionamento social”. NOVOA MONREAL, Eduardo.
O direito como obstáculo à
transformação social.
Trad. Gérson Pereira dos Santos. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1988, p. 175.