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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 306 - 316, jan - fev. 2015

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contra o poder punitivo ainda não se revela concretamente na execução

penal brasileira, especialmente o princípio da legalidade.

A execução da pena no Brasil, notadamente a institucionalizante,

representa o exercício do poder punitivo à margem da legalidade em di-

versos aspectos, constituindo terreno de manifestação constante do sis-

tema penal subterrâneo

5

. A imposição de sofrimento para além do que já

lhe é estrutural se verifica tanto na omissão do Estado em cumprir com as

determinações positivas de normas nacionais e internacionais de direitos

humanos aplicáveis às condições materiais do aprisionamento, quanto no

que se refere às práticas violentas de agentes estatais com relação às pes-

soas presas, especialmente a tortura e maus tratos de toda ordem. O sis-

tema penal subterrâneo encontra solo fértil para manifestação diante da

clausura própria da prisão, bem como pela precária fiscalização exercida

pelos órgãos competentes e pelo diminuto controle social e comunitário

exercido sobre esse ambiente.

Por outro lado, a inobservância da legalidade na execução penal

também atinge seu sentido propriamente penal de proteção do cidadão

frente ao poder punitivo, conhecido secularmente pela expressão latina

nullum crimen, nulla poena sine lege

e seus consectários.

Nesse sentido, é comum que se justifique a inaplicabilidade do

princípio da legalidade e das demais garantias constitucionais a partir da

natureza que se atribui às normas da execução penal, seja classificando-as

como normas administrativas, seja como processuais, ou mesmo na figura

do direito penitenciário. Retirar o caráter penal das normas que regulam a

execução da pena tem sido um recurso historicamente utilizado para legi-

timar todo tipo de arbitrariedade no momento máximo de manifestação

do poder punitivo, sendo certo que “as regulações raramente logram limi-

tar de modo eficaz atos de imposição de sofrimento, mas com frequência

se cingem a privilegiar exclusivamente a ordem nas instituições totais.”

6

Diante da produção de sofrimento que se produz por meio da pena,

cumpre ao direito o papel de contenção do poder punitivo e promoção da

liberdade. Limitar os efeitos degradantes e estigmatizantes da pena é um

escopo que só se possibilitará alcançar com o reconhecimento do caráter

5 Sobre o sistema penal subterrâneo, cf. ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Ale-

jandro.

Direito penal brasileiro - I

. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 69-70.

6 ZAFFARONI; BATISTA; ALAGIA; SLOKAR,

op. cit

, 2003, p. 296. Prosseguem na crítica os mesmo autores: “o direito

penal constrói uma teoria da coerção que tem por objeto conter o poder punitivo no momento declarativo (a indivi-

dualização judicial), mas não abarca sua realização total sobre a pessoa no mundo (a mal chamada

individualização

penitenciária

)”