

R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 306 - 316, jan - fev. 2015
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Com a afirmação histórica dos direitos humanos e o destaque de
seu caráter universal, o princípio da
less eligibility
encontrava dificulda-
des de sustentação oficial e declarada, razão pela qual foi substituído por
construções teóricas de caráter mais moderno que tentavam uma vez
mais legitimar a diferenciação social no tocante à efetivação de direitos
das pessoas presas. Cumpriram esse papel a doutrina alemã da “supre-
macia especial”, que justificava a existência de espaços livres do direito e
regulados por uma relação de sujeição, e a teoria americana das “
hands-
-off
”, que defendia a impossibilidade de intervenção do Poder Judiciário
na esfera de relações reguladas exclusivamente pela Administração Públi-
ca, de modo a abonar a omissão jurisdicional na execução da pena
1
.
De fato, às degradantes condições de aprisionamento no Brasil so-
ma-se a omissão do Poder Judiciário em sua função de zelar pelo correto
cumprimento da pena (art. 66, VI, VII e VII, da Lei de Execução Penal). A
ausência de intervenção diante da cotidiana violação da dignidade hu-
mana confirma o predicado do cárcere como “espaço de não direito”
2
e
a legitimação daquilo que se denominou como a construção jurídica do
cidadão de segunda categoria
3
.
As constantes violações aos mais básicos direitos fundamentais de-
correntes das condições de aprisionamento no Brasil corroboram a condi-
ção de cidadão de segunda categoria que é emprestada à pessoa presa.
O cárcere se apresenta concretamente como um
locus
de relativização da
universalidade característica dos direitos humanos, em verdadeira manifes-
tação do estado de exceção no sentido atribuído por Giorgio Agamben
4
.
2 – A crise de legalidade na execução penal
Por constituir a manifestação do poder punitivo por excelência, a
execução da pena deve se submeter a limites próprios dos mecanismos de
coerção punitiva. Todavia, o reconhecimento de garantias constitucionais
1 Sobre as duas construções teóricas mencionadas, cf. PAVARINI, Massimo; GIAMBERARDINO, André.
Teoria da
pena e execução penal
: uma introdução crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 235 e ss.; PAVARINI, Massimo.
Castigar al enemigo
:
criminalidad, exclusión e inseguridad.
Quito: Flacso, 2009, p. 127 e ss.
2 Cf. PAVARINI,
op. cit.
, 2009, p. 127 e ss.
3 Cf. RIVERA BEIRAS, Iñaki.
La devaluación de los derechos fundamentales de los reclusos.
La construcción jurídica
de un ciudadano de segunda categoría.
Barcelona: J. M. Bosch, 1997.
4 Para o autor, o “estado de exceção” não se contrapõe temporalmente ou territorialmente ao estado de direito. Ao
contrário, o estado de exceção permeia o estado de direito, mostrando o real poder soberano nas brechas onde as
normas têm sua vigência suspensa. Cf. AGAMBEN, Giorgio.
Estado de exceção.
São Paulo: Boitempo: 2003.