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R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 291 - 305, jan - fev. 2015

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mento momentâneo desses cidadãos dos espaços de uso comum do povo

da cidade: “A relação de exceção é uma relação de

bando

. Aquele que foi

banido não é, na verdade, simplesmente posto fora da lei e indiferente a

esta, mas é

abandonado

por ela, ou seja, exposto e colocado em risco no

limiar em que a vida e direito, externo e interno, se confundem. Dele não

é literalmente possível dizer que esteja fora ou dentro do ordenamento”.

19

Nessa esteira, tendo em vista a assertiva de Agamben de que o

campo de concentração é o paradigma biopolítico do moderno, não é exa-

gerado dizer que as ruas, avenidas, viadutos e praças centrais de Franca

funcionaram como um autêntico campo: “... se a essência do campo con-

siste na materialização do estado de exceção e na consequente criação de

um espaço em que a vida nua e a norma entram em um limiar de indis-

tinção, deveremos admitir, então, que nos encontramos virtualmente na

presença de um campo toda vez que é criada uma tal estrutura, indepen-

dentemente da natureza dos crimes que aí são cometidos e qualquer que

seja a sua denominação ou topografia específica”.

20

Em contrapartida ao “uso liberticida do direito” que estava sendo

levado a cabo no município, a Defensoria Pública, após oficiar e receber

da delegacia de polícia seccional cópia de todos os termos circunstancia-

dos lavrados nos últimos meses por contravenção penal de vadiagem,

impetrou, em 23 de maio de 2012, um

habeas corpus

coletivo, no qual

figuraram 52 pacientes, junto à Turma Recursal do Juizado Especial Cri-

minal da Comarca de Franca,

21

buscando desativar os dispositivos auto-

19 AGAMBEN,

op. cit.

2007, p. 36.

20 “Será um campo tanto o estádio de Bari, onde em 1991a polícia italiana aglomerou provisoriamente os imigran-

tes clandestinos albaneses antes de reexpedi-los ao seu país, quanto o velódromo de inverno no qual as autoridades

de Vichy recolheram os hebreus antes de entregá-los aos alemães; tanto o

Konzentrationslager für Ausländer

em

Cottbus-Sielow, no qual o governo de Weimar recolheu os refugiados hebreus orientais, quanto as

zones d’attente

nos aeroportos internacionais franceses, nas quais são retidos os estrangeiros que pedem o reconhecimento do

estatuto de refugiado. Em todos estes casos, um local aparentemente anódino (como, por exemplo, o Hotel Árca-

des, em Roissy) delimita na realidade um espaço no qual o ordenamento normal é de fato suspenso, e que aí se

cometam ou não atrocidades não depende do direito, mas somente da civilidade e do senso ético da polícia que age

provisoriamente como soberana (por exemplo, nos quatro dias em que os estrangeiros podem ser retidos nas

zone

d’attente

, antes da intervenção da autoridade judiciária)”. AGAMBEN,

op. cit

., 2007, p. 181.

21 Trata-se do processo n. 12/12 do Colégio Recursal da Comarca de Franca. É importante ressaltar que com a

notícia da impetração do

habeas corpus

, a imprensa local, por meio de jornais e programas de rádio, atacou siste-

maticamente a atuação da Defensoria Pública e, não raras vezes, os próprios defensores públicos, constituindo-se

rara exceção um artigo do jornalista Mauro Ferreira: “Preocupa-me nesta questão a situação dos artistas. Pois vadiar

é essencial à arte. Sem tempo livre, numa sociedade capitalista, difícil produzir obras que elevem o espírito humano

através da arte, mesmo sabendo que arte é trabalho duro, muito mais suor que inspiração. Artistas escrevem, dese-

nham, pintam, compõem, cantam, interpretam, alguns mais bordam até que pintam, distantes da indústria cultural,

que é outra coisa, é negócio. (…) Vivo neste ramo nada novo da vadiagem, ainda não percebida pela polícia: o da

mendicância criativa, passando o pires a empresários para manter as atividades e as múltiplas ações culturais do

Laboratório das Artes. Do jeito que a repressão à vadiagem está caminhando, por via das dúvidas, quando vejo o